sexta-feira, 27 de maio de 2016

Meus remédios de papel

Decidi cuidar da família, dos amigos e manter distância de uma disputa esquizofrênica.
As contradições marotas na vida política não são modernas.
As contradições marotas na vida política não são modernas.
Por Max Velati*
Tenho publicado aqui com frequência o meu desinteresse pelas questões políticas atuais. Não se trata de uma atitude típica de “isentão”. Meu caso é mais grave. Não estou aguardando os acontecimentos para formar uma opinião. Já tenho a minha posição pronta, consolidada e meu distanciamento é fruto disso. Decidi cuidar da família, dos amigos e manter distância do que considero uma disputa esquizofrênica, um cabo de guerra insano travestido de política partidária. Penso que o tamanho deste engano nacional só fará sentido mais tarde, quando historiadores com melhor formação se debruçarem para examinar este delirante capítulo atual.
Foi com o espírito de olhar o passado em busca de consolo, já que o presente pouco alento oferece, que percorri as empoeiradas prateleiras da minha biblioteca, os meus queridos remédios de papel. Meu objetivo era verificar se as insanidades - tal como apresentadas pela imprensa -  já haviam ocorrido antes no mundo civilizado. Qual não foi a minha surpresa ao encontrar exemplos desconcertantes no delicioso “O Livro dos Fatos”, de Isaac Asimov. Publicado no Brasil na década de 80 pela Editora Nova Fronteira, na tradução de Aulyde Soares Rodrigues, a obra oferece doses balsâmicas para o brasileiro moderno no capítulo “Política e Políticos”. O caro leitor irá perceber que James Joyce talvez tivesse razão ao dizer que a História era um pesadelo do qual deveríamos acordar.
Um exemplo claro do meu ponto de vista: o (ainda) Senador Richard Nixon, sim ele mesmo, ao denunciar a administração de Truman, em 1951, dizia: “Esta administração provou ser completamente incapaz de acabar com a corrupção que a destruiu e de restabelecer a confiança e fé do povo na moralidade e honestidade dos funcionários do governo”.
Este outro exemplo mostra que não é apenas no Brasil que políticos encarcerados ainda exercem os seus ofícios. Em 1920, Eugene Debs foi indicado candidato à presidência dos Estados Unidos pelo Partido Socialista quando cumpria uma sentença por sedição na Primeira Guerra Mundial. Recebeu quase um milhão de votos.
As contradições marotas na vida política também não são modernas. O primeiro partido político americano  a fazer uma convenção para indicar um candidato à presidência foi o Partido Antimaçônico, reunido em Baltimore em setembro de 1831. O indicado foi William Wirt que... era maçon!
O exemplo a seguir é dolorosamente familiar. O Credit Mobilier, um trust que desviou fundos da ferrovia americana Union Pacific, teve a ajuda de membros do Congresso, incluindo James Garfield, que recebeu ações de graça e dividendos. Quando o escândalo veio a público, Garfield tentou negar seu envolvimento. Apesar de ter se beneficiado do dinheiro público, foi reeleito para o Congresso por três vezes. E então foi eleito Presidente.
Outro exemplo que para nós não é novidade: o projeto original da Carta dos Direitos, proposto pelo Congresso como adição à Constituição dos Estados Unidos, continha doze e não dez emendas. As duas que não foram ratificadas eram: a que se referia à determinação do tamanho da Câmara dos Deputados e outra que proibia o aumento de salários dos deputados e senadores.
E para encerrar: o Partido do Trabalhador, o primeiro partido de orientação trabalhista nos Estados Unidos, durou apenas de 1828 a 1830. Começou na Filadélfia e em Nova York. Seus membros propunham o dia de dez horas, abolição da prisão por dívida (!) e mais escolas públicas. Embora tenha conquistado alguma influência na época, o partido falhou em pontos de doutrina, tendo muitos membros se negado a aceitar as exigências radicais dos líderes.
Devolvi cheio de gratidão às prateleiras o meu exemplar de “O Livro dos Fatos”. Talvez a História não se repita, mas como disse Mark Twain, ela certamente faz rimas.
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é professor de esgrima e chargista de Economia da Folha de S. Paulo. Publica no Dom Total toda sexta feira.

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