sexta-feira, 27 de maio de 2016

O balcão das escolhas

O crescimento do país é uma incógnita, afundado em indicadores tenebrosos.
Difícil encontrar na História alguma nação decente que não tenha enfrentado as Verdades Incômodas.
Difícil encontrar na História alguma nação decente que não tenha enfrentado as Verdades Incômodas.
Fernando Fabbrini*
Internet a gente sabe como é: cheia de asneiras, piadinhas inócuas, outras de mau gosto - mas vez ou outra aparece alguma coisa digna de registro. Esta semana mandaram-me um cartum (anônimo, infelizmente; queria conhecer o autor) onde vemos dois balcões de atendimento. Sobre cada um, bem no alto, um cartaz indica a finalidade daqueles pequenos stands. No primeiro, os letreiros informam: “Mentiras Confortáveis” e há uma fila imensa de pessoas - jovens, homens, mulheres e idosos, todos sorridentes - aguardando a vez. Já o segundo balcão está às moscas, não se vê ninguém ali, fila nenhuma; e a cara do atendente é puro desânimo. Também, pudera: no seu cartaz está escrito “Verdades Incômodas”. 
Deve ser um fenômeno mundial, histórico, sei lá. Porém, é incrível perceber a tendência do chamado ser humano na preferência das citadas Mentiras Confortáveis ao invés das Verdades Incômodas. Será apenas mais um caso da decantada lei do menor esforço? Ou a comprovação da teoria do velho humorista Jaguar, que afirmava ser o homem um animal regido pela BIP – Busca Insaciável do Prazer, enunciado filosófico de sua própria invenção?
Inspirado pelo referido cartum, deixo o pensamento voar pelas nossas margens plácidas e reflito sobre as escolhas que a nação vem fazendo ao longo de sua história. O abominável jeitinho brasileiro, o deixa-disto, o vamos-conversar, os acordões funcionam nos momentos críticos e drenam as tensões que, em ação livre, poderiam – quem sabe? -  transformar nossa realidade. Difícil encontrar na História alguma nação decente, próspera e justa que não tenha enfrentado as Verdades Incômodas e, a partir dessa atitude, alcançado um novo patamar. O Japão e a Alemanha, por exemplo, saíram literalmente arrasados da Segunda Guerra. Ajuntaram seus cacos, sacrificaram-se em nome de uma causa comum e hoje estão aí, dando as cartas.
E com quantas Mentiras Confortáveis a sociedade brasileira foi iludida? No grupo escolar, nos anos 50, nossas professoras diziam que vivíamos no “país do futuro”. Nos anos 60, 70, 80 -idem. E a promessa desse futuro que nunca chegava foi sendo esticada década após década, salpicada por ufanismos vazios. “Temos o melhor futebol do mundo!” “Não há mulher mais bela que a brasileira!” “Deus é brasileiro! O país é abençoado, não tem guerras nem terremotos!”
Curtimos a Copa do Mundo na certeza de que mais uma conquista da Seleção nos alimentaria e nos manteria nutridos e saudáveis – esquecendo-nos dos milhões que passam fome ao nosso redor e que morrem nas filas dos postos de saúde, aguardando atendimento. Agora, vem chegando a Olimpíada. A tocha tenta incendiar os corações nacionais, mas parte do povo, desconfiado, já se pergunta se a festa não se enquadraria no rol das Mentiras Confortáveis. Não seria melhor, mais realista, mais honesto pegar essa grana toda e aplicá-la no enfrentamento inevitável de algumas Verdades Incômodas que nos assolam? Alguns países e cidades fizeram assim: agradeceram o “privilégio” de sediar eventos desse porte porque tinham outras prioridades em pauta.
Novos tempos difíceis estão chegando. O rombo nas contas públicas é muito maior que imaginávamos. O crescimento do país é uma incógnita, afundado em indicadores tenebrosos. Estamos prontos para os sacrifícios, os apertos e, sobretudo, para as mudanças de hábito? Vamos cair na real ou seremos engolidos pelo buraco negro?
Acho que esta crise – a exemplo das outras – trará um momento de revisão de conceitos, de novos ideais, de oportunidades. A mais importante delas, ao meu ver, será a chance dos brasileiros deixarem de frescuras e se unirem na busca de uma vida melhor – melhor de verdade e sem novas mentiras confortáveis.
Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com dois livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália e publica suas crônicas também às quintas-feiras no jornal O TEMPO.

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