sábado, 28 de maio de 2016

Riqueza, poder e vaidade

Sentiam-se como reis, apesar de sonharem com um passo a mais: tornarem-se deuses.
Suas casas, na medida em que acumulavam riqueza, tornavam-se verdadeiras vitrines.
Suas casas, na medida em que acumulavam riqueza, tornavam-se verdadeiras vitrines.
Por Evaldo D´Assumpção*
Durante muitos anos acreditei que a riqueza fosse o objetivo principal de praticamente toda a humanidade. Conheci pessoas cujos sonhos eram permeados por carros de luxo, mansões cinematográficas, viagens suntuosas, joias e roupas de marca. Observei o quanto se empenhavam, com sacrifício de férias, horas de lazer e até mesmo da própria saúde, sempre buscando remuneração cada vez maior.
Mas causava-me estranheza perceber que nem sempre os carros que adquiriam eram os mais práticos e de manutenção mais simples, ainda que possuindo conforto acima da média. O que caracterizava seus veículos era o visual imponente, as marcas mais conhecidas e geralmente exibidas por artistas e personalidades notórias na sociedade.
Suas casas, na medida em que acumulavam riqueza, tornavam-se verdadeiras vitrines de móveis, obras de arte de valor cada vez maior, decoração e jardinagem dignas de revistas internacionais. Contudo, ganhavam condições de intocabilidade, pois as peças ornamentais, como os equipamentos da casa eram para ser contemplados e nunca tocados.
Tendo filhos, e ainda crianças, elas eram constantemente reprimidas para não perturbarem o equilíbrio estético das mansões cada vez maiores, mais bonitas, todavia cada vez mais frias.
Nos closets, multiplicavam-se as roupas, quase sempre maravilhosas, porém desconfortáveis e pouco práticas para uso. O número de sapatos batia recordes, chegando às centenas, e com assinatura de desenhistas e fabricantes, exigindo sua troca diversas vezes ao dia, para serem todos utilizados ao longo do ano.
O auge era atingido quando passavam a figurar nas listas dos milionários ou bilionários do país, ainda que o sonho maior fosse o topo da pirâmide internacional.
Mas, com tudo isso, não possuíam autêntica felicidade. E descobri que em seus devaneios, havia algo mais a ser conquistado: o poder. Afinal, toda aquela fortuna destinava-se, objetivamente, à conquista de poderes bem acima do comum dos mortais. Às vezes alcançavam altos patamares de riqueza, mas trocavam boa parte dela pela aquisição de poderes, se possível ilimitados.
Percebia neles uma estranha felicidade, um brilho diferente no olhar, quando exerciam o poder em qualquer situação, em qualquer ambiente, sobre qualquer pessoa. Sentiam-se como reis, apesar de ainda sonharem com um passo a mais: tornarem-se deuses.
Descobri então que a força que os movia, aquela que desde o princípio os havia arrastado em busca de riqueza, depois, mais riqueza, depois o poder, e ainda mais poder, era uma só: a vaidade.
Concluí então que a vaidade é que os levava ao sacrifício supremo, às privações mais absurdas, à ansiedade de ter mais, de conquistar os cumes mais elevados. A vaidade era realmente a linha condutora de suas vidas, a feitora de sua escravidão a bens e posições. E a vaidade os alimentava com parcas rações de realização, impedindo-os de se satisfazerem com o que iam conquistando.
Seus carros luxuosos não eram para lhes dar conforto, mas para serem exibidos aos que não podiam tê-los. Suas roupas desconfortáveis, porém chiques, eram para seus pares olharem e invejarem suas conquistas. Seu poder não era para realizar coisas benéficas para os outros, mas para colocá-los no topo, acreditando que ali tocariam os céus, desbancariam os deuses e seriam, eles próprios, os adorados pelas multidões. A vaidade saciada seria o seu troféu.
Mas, em seus planos não levaram em conta a finitude que permeia o mundo em que vivemos. E a morte, inesperada, indesejada, rejeitada, aproveitou-se de sua fragilidade humana para lhes repetir a lição que, esta sim, deveria ter permeado suas vidas: que do pó viemos todos, e ao pó retornaremos. E da riqueza e do poder, só restará a vaidade do nome num frio mausoléu.
*Médico e Escritor – Membro Emérito e Presidente (2006-2008) da Academia Mineira de Medicina; Membro Emérito da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, do Instituto Mineiro de História da Medicina e da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores. Titular da Academia Campo-belense de Letras, MG; Titular-Fundador da Academia de Letras de Anchieta, ES. Fundador, Membro e Conselheiro da SOTAMIG – Sociedade de Tanatologia de MG, Departamento de Tanatologia da Associação Médica de MG; Senior-Member of ADEC – Association for Death Education and Counseling (EUA); Ex-Professor de Ética, por concurso, da PUC-MG; Professor-Convidado de Bioética e Biotanatologia da Faculdade de Ciências Médicas de MG. Aposentado.

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