segunda-feira, 20 de junho de 2016

A lição da mídia internacional

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Natural que a crise política brasileira ganhe destaque nos quatro cantos do planeta.
A votação do impeachment na Câmara é exemplar para ilustrar a lógica que rege o Legislativo.
A votação do impeachment na Câmara é exemplar para ilustrar a lógica que rege o Legislativo.

Por Pablo Pires Fernandes*

Há tempos o Brasil deixou de ser um país "subdesenvolvido" ou "em desenvolvimento" qualquer. Desde a redemocratização, vem alçando importância e crescente projeção internacional. Por suas dimensões, riquezas naturais, economia (nono maior PIB mundial) e, nos últimos 15 anos, sua atuação diplomática e progressos sociais o fizeram digno de grande atenção no exterior.

É, portanto, natural que a atual crise política brasileira ganhe destaque na imprensa dos quatro cantos do planeta. Para quem acompanha de perto a mídia internacional, fica clara a diferença de tom e tratamento na cobertura dos fatos em comparação à visão predominante da grande imprensa nacional.

O discurso dos veículos tradicionais no país foi uníssono durante toda a crise: condenar o governo a todo custo, associá-lo como o único responsável pela corrupção endêmica e histórica e apresentar, de forma seletiva, os fatos concretos referentes aos crimes generalizados e perpetrados pela maior parte da classe política no poder.

A votação do impeachment na Câmara dos Deputados é exemplar para ilustrar a lógica que rege o Legislativo brasileiro. Grande parte dos congressistas citou Deus e sua própria família ao justificar o voto. Os eleitores, de quem são representantes e que os conduziram ao cargo, raramente foram mencionados. A partir da votação, liderada por um notório corrupto, a mídia internacional começou a destoar da cobertura local.

Ao fazer seu trabalho com seriedade e ética – questionar, ouvir lados opostos, levando em consideração os interesses por trás de cada ação – os jornais de outros países explicitaram a ausência deste princípio por parte da mídia nacional. O contraste foi evidente.

Em reportagem, o New York Times questionou o processo, apontando que 60% dos membros do Congresso enfrenta acusações e que a presidente eleita, sem qualquer indício formal de corrupção, é julgada por estes mesmos parlamentares. O mesmo jornal dedicou dois editoriais ao tema, o mais contundente afirmou que o processo aprofunda a crise.

O britânico The Guardian também dedicou editorial a respeito, afirmando que todo o sistema político brasileiro deveria ser julgado e não apenas uma mulher. Também registrou o afã do presidente interino em desmontar a política petista e reorientar o governo a uma lógica neoliberal, contrariando o programa pelo qual a população optou nas urnas.

O Le Monde, mais importante diário francês, primeiramente publicou editorial afirmando que não se tratava de um golpe de Estado. Depois, se autoquestionou (fato raríssimo na imprensa brasileira) e considerou que a cobertura era parcial. A abordagem tornou-se, então, bem mais abrangente e crítica às visões correntes por aqui.

O questionamento de legitimidade do impeachment repercutiu em muitos outros veículos mundo afora, demasiados para serem listados aqui. Não se trata de reduzir a questão ao fato de ter sido ou não um golpe institucional. O ponto que vem à tona e que se tornou absolutamente claro é: a grande imprensa brasileira não faz jornalismo de fato, mas atua somente de acordo com seus próprios interesses corporativos. Orienta-se sob a lógica privada e se recusa a exercer sua função pública, sua responsabilidade social e política para o bem comum. Foi preciso o contraponto internacional e exemplos de jornalismo ético para alertar a parcialidade quase surrealista que impera na mídia nacional.

*Pablo Pires Fernandes é jornalista, subeditor do caderno de Cultura do Estado de Minas e responsável pelo caderno Pensar.

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