quinta-feira, 30 de junho de 2016

A tragédia dos refugiados na Europa de raízes cristãs

 domtotal.com
Para estes abandonados à própria sorte, muros são levantados, cercas são eletrificadas.
Para estes abandonados à própria sorte, muros são levantados, cercas são eletrificadas.

Por Élio Gasda*

A extrema pobreza de milhões de seres humanos é a questão que mais provoca nossas consciências. Enquanto os ricos estão mais ricos, o relatório da UNICEF publicado nesta terça-feira (28/06) informa que a desigualdade matará até 69 milhões de crianças em 15 anos. 550 mil crianças sírias estão refugiadas no Líbano. Enquanto corpos de crianças sírias aparecem nas praias, a Europa aplica seu plano de bloqueio aos refugiados. “Senhor, quando foi que Te vimos?” (Mt 25,38).   

Refugiado é toda a pessoa que devido à sua raça, religião, pertença a grupo social ou opinião política, violação de direitos humanos, busca refúgio fora do país de origem, assim define a ONU. Além de refugiados políticos, existem os refugiados por causas ambientais. São mais de 65 milhões de pessoas vivendo nesta condição. O Brasil acolhe quase 10 mil refugiados de 79 nacionalidades.

O que levam alguém a deixar sua terra e sua família, gastar o pouco que lhe resta, caminhar dias sob o calor escaldante e enfrentar o frio e a chuva, aguardar semanas por uma vaga em transporte precário abarrotado de pessoas e enfrentar o mar bravio? Ou viajar entre os eixos de um caminhão durante dias até a fronteira com os Estados Unidos?

Para estes abandonados à própria sorte e descartados da economia, muros são levantados, cercas são eletrificadas, leis são criadas violando seus direitos. Ter sua entrada negada por falta de um carimbo não só é humilhante, mas uma sentença de morte. Extremos de miséria humana. Se os direitos humanos são universais, a cidadania de alguns não pode sobrepor-se aos direitos fundamentais de outros. O critério para decidir a quantidade de estrangeiros a acolher no país não pode reduzir-se ao bem-estar dos seus habitantes. As necessidades vitais de quem se vê forçado a pedir hospitalidade não podem ser ignoradas.

A sociedade deve tratar o imigrante como pessoa e ajudá-lo para que viva de forma decente (Gaudium et spes, n.66). Os direitos humanos garantem a ele uma cidadania independente do reconhecimento jurídico-político conferido pelo território de nascimento. O fato de se estar fora do país de origem não exclui ninguém do acesso a exigências nascidas da sua dignidade natural. Os Direitos Humanos transcendem as fronteiras determinadas por fatos históricos circunstanciais.  Antes de ser brasileiro, sírio, boliviano, somos todos seres humanos. A participação na família humana outorga a cada pessoa uma espécie de cidadania mundial. Este vínculo cosmopolita é anterior a qualquer outro tipo de vínculo. A identidade de cidadão do mundo precede à nacionalidade. Os direitos humanos não têm pátria. Perder a nacionalidade não quer dizer perder a dignidade. Não se é menos humano quando se está em terra estrangeira.

O drama dos refugiados obriga a romper com verdades intocáveis impostas pela modernidade europeia. A civilização não surgiu na Europa. O que dá direito à vida em qualquer lugar do planeta não pode ser um carimbo no passaporte ou RG, mas o fato de ser membro da comunidade humana. O cristianismo é incompatível com nacionalismos, xenofobias e discriminações de qualquer tipo. Deus acolhe de maneira preferencial aqueles que a sociedade despreza. Antes de ser membro de uma nação, todos somos parte da família de Deus (Gn 1,26-30; 9,6b-7). Quando não é possível viver com dignidade dentro do próprio país, temos o direito de buscar a sobrevivência em outro território (Gn 12,1; Gn 47,4-6). Uma das legislações mais antigas em defesa do estrangeiro encontra-se na Bíblia: Não oprimirás nem humilharás o imigrante, porque foste imigrante no Egito (Ex 22,20; 23,9; Dt 24,14-18). A Lei de Moisés assegura mesmos direitos a estrangeiros e israelitas. Quando um estrangeiro vier morar na vossa terra, não o explorareis; tratá-lo como um de vós; amai-o como a ti mesmo (Lv 19,33-34). O Evangelho nos pede ver os traços de Cristo no rosto do estrangeiro (Mt 25,35). Ou seja, além de dever moral, para o cristão acolher o refugiado é uma exigência que brota do seu batismo: “Estou à porta e bato” (Ap 3, 20). Ao acolher nosso irmão estrangeiro que perdeu tudo e que não tem mais para onde ir, talvez estejamos hospedando anjos, como fez Abraão (Hb 13,2).

Na ilha grega de Lesbos, o Patriarca ortodoxo Bartolomeu e o Papa Francisco comungaram do corpo do Cristo refugiado - presença real e impactante. Dezenas de migrantes reuniram-se no local da visita portando cartazes com a frase: Nós também somos humanos! Respondeu Papa Francisco: Vocês não estão sozinhos!

*Élio Gasda: Doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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