"Não lido bem com o termo 'melhor idade' e muito menos com esse cansaço de tudo".
Ficar mais velho é ter menos, nunca ter mais.
Por Ricardo Soares*
Depois de amanhã faço aniversário. Aí o leitor pode perguntar: "mas como pode o cronista ser tão cabotino a ponto de começar seu texto falando do próprio aniversário?". Me explico. Se assim faço não é para receber merecidos ou imerecidos parabéns dos leitores, e sim para que juntos, eu e vocês, reflitamos sobre o tal envelhecimento.
Outro dia o historiador (com pinta e prosa de filósofo) Leandro Karnal disse em vídeo que circula pela internet que quanto mais envelhece, mais tem medo e quanto mais ele tem medo, mais tem consciência do mundo. No meu caso nem sei se é medo, talvez seja desalento mesmo. Puro e simples. Aquela consistente sensação de que nada muda para melhor e de que nada será como antes. Isso faz com que fiquemos muitas vezes morando no passado. Isso faz com que isso se chame distimia, tristeza, até depressão.
Alguns anos mais novo Karnal, com certeza, sente-se mais velho do que eu. Na verdade não me sinto velho. Me sinto deslocado quando a sociedade moderna nos pede para sermos sempre "descolados". Esse termo absolutamente irritante que alia nossas pessoas a pretensas "mudernidades" que combinem com raves, festas hipsters, gadgets tecnológicos. Que enorme preguiça dá isso tudo.
A velhice é uma roupa que não me serve. Não sei se, por si só, ou por imposição do "mercado" que nos quer sempre sexys, revigorados e, lógico, jovens. Não lido bem com minhas juntas que rangem, com limitações físicas até então desconhecidas, não lido bem com barulhos inoportunos dos vizinhos e mesmo do meu corpo. Não lido bem com explicar aos incautos caminhos que eles insistem em trilhar quando neles já quebrei a cara. Não lido bem com o horrível termo "melhor idade" e muito menos com esse cansaço de tudo. Cansaço de um país que esperou que eu começasse a envelhecer para andar para trás, sepultando tanta coisa pela qual lutei esses anos todos.
Uma vez, muito tempo atrás, encerrei uma edição do programa "Metrópolis", que na ocasião eu apresentava, com essa frase dita no dia do meu aniversário. Então tenros anos: "fazer aniversário é como ter um zero a menos no salário". A frase em si nada tem de extraordinário. Mas encerra um conceito implacável. Ficar mais velho é ter menos. Nunca ter mais. Esse negócio de agregar experiência é conversa mole para a manada dormir.
Sim, eu poderia abrir as portas que dão pra dentro como diz a velha canção. Mas quanto mais as abro, mais me perco num labirinto de lembranças que machucam, de desvãos que me fazem escorregar. Assim, prefiro o exemplo de minha tia Ottilia, nome tão antigo quanto a idade dela: 87 anos. Uma tia que vem sobrevivendo altiva e animadinha a todos os percalços inclusive à perda dos seus irmãos e irmãs, entre os quais a minha mãe. Pois a tia "Tilinha", como a chamamos, segue firme e forte vivendo literalmente um dia de cada vez. Quando a vejo tenho certeza de que para ela a morte é apenas uma abstração. Ela não pensa nisso e simplesmente a aceita. Questão de tempo. Baita exemplo.
*Ricardo Soares é escritor, roteirista, diretor de TV e jornalista. Dirigiu 12 documentários e publicou sete livros. Em agosto lança pela editora Patuá o romance "Amor de mãe".
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