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A cleptocracia que tomou conta do Planalto tornou os proprietários rurais mais poderosos.
Nos últimos 10 anos, mais da metade dos assassinatos de indígenas no país ocorreram no MS.
Por Élio Gasda*
Assassinatos, suicídios, terrorismo, falta de assistência à saúde, mortalidade infantil, invasões de territórios, exploração de recursos naturais, ataques químicos com agrotóxico, atropelamentos. Em tempos passados os índios eram caçados. Hoje matam retirando a terra. O agrocrime atua com a cumplicidade do Estado. A violência contra os povos indígenas agravou-se.
No ultimo dia 14 criminosos abriram fogo contra o povo Guarani-Kaiowá em Dourados-Amambai Peguá, em Caarapó (MS). Mataram um agente de saúde indígena e feriram outras seis pessoas, inclusive uma criança. O ataque faz parte de tentativas do agronegócio para expulsar os Guarani de sua terra. Desde agosto de 2015, quando foi assassinado Simeão Vilhalva, foram registrados mais de 25 ataques. Nos últimos 10 anos, mais da metade dos assassinatos de indígenas no país ocorreram no Mato Grosso do Sul.
O Brasil detém a segunda maior taxa de concentração de terras do mundo. Mato Grosso do Sul é o estado com a segunda maior população indígena atrás do Amazonas. Na Reserva de Caarapó mais de 6 mil Guarani-Kaiowá vivem espremidos em 3,5 mil hectares. A paralisação das demarcações os obriga a viver na beira das estradas em barracos de lonas, cercadas por jagunços e sujeitos a todo tipo de violência. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) informa que em 2013 houve 73 suicídios de indígenas naquele estado. Apenas um não era Guarani-Kaiowá. Tudo isso em um país em que 10% da população concentra 71% da riqueza.
A cleptocracia que tomou conta do Planalto tornou os proprietários rurais mais poderosos. A bancada ruralista (do Boi) quer a aprovação da PEC 215 (transfere a competência da União na demarcação das terras para o Congresso Nacional) e buscam criminalizar a resistência indígena em Comissões Parlamentares de Inquérito, como a CPI do Cimi e a CPI da Funai/Incra. Na composição amplamente anti-indígena do governo ilegítimo estão os promotores de ambas as CPIs. Em abril, a Frente Parlamentar da Agropecuária se reuniu com Temer para exigir a revisão das demarcações de áreas indígenas e quilombolas. O ex-ministro Romero Jucá apresenta projeto de lei que flexibiliza a mineração em terras indígenas. Não é um conflito. A plutocracia industrial-midiática-financeira declarou uma guerra sem trégua contra os povos indígenas.
As agressões iniciadas com a conquista e colonização do Brasil continuam. Desde as invasões dos bandeirantes o que sempre esteve em jogo é a apropriação das riquezas naturais por interesses privados. Hoje não é diferente. A violência contra os indígenas jamais cessou. Agora, porém, eles estão organizados, para desespero das oligarquias plutocráticas. A luta dos povos originários é fazer cumprir a Constituição Federal de 1988. O termo originários refere-se a direitos que historicamente antecedem a Lei. Eles já existiam antes do Estado brasileiro. Afirma uma existência negada há cinco séculos. “Nós existimos!”
Os povos indígenas tem em Papa Francisco seu mais ferrenho defensor: “Temos que prestar atenção especial às comunidades indígenas com as suas tradições culturais. Não são apenas uma minoria entre outras, mas devem tornar-se os principais interlocutores, especialmente quando se avança com grandes projetos que afetam os seus espaços. Para eles, a terra não é um bem econômico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam interagir para manter a sua identidade e os seus valores”. (Laudato si, 146).
No México, Papa Francisco abraçou-os e pediu perdão: “Muitas vezes, de modo sistemático e estrutural, os povos indígenas foram incompreendidos e excluídos da sociedade. Alguns consideraram inferiores os seus valores, sua cultura e suas tradições. Outros, aturdidos pelo poder, pelo dinheiro e pelas leis de mercado, os despojaram de suas terras ou realizaram ações que as contaminaram. Que tristeza! Que bem faria a todos nós se fizéssemos um exame de consciência e aprendêssemos a dizer: perdão!”
O reconhecimento da ofensa seguido do pedido de perdão é o primeiro passo da justiça. No Censo 2010 a população indígena era de 817 mil indivíduos. São 305 povos fluentes em 274 línguas distintas (IBGE). Longe dos cinco milhões organizados em quase 2000 povos quando da invasão europeia em 1500. Aprendi que a palavra “rendição” não existe nas línguas indígenas. Nesta semana mais de 500 lideranças indígenas estão reunidas em Palmas (TO) para a III Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins. Um índio nunca se rende!
*Élio Gasda: Doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).
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