sexta-feira, 10 de junho de 2016

João Gilberto, 85, chega de saudade

10/06/2016 06:00:52
Primeiro LP de João Gilberto: um clássico da bossa-nova.
Primeiro LP de João Gilberto: um clássico da bossa-nova.

Por Carlos Ávila

“E tudo foi feito num ambiente de paz e passarinhos”, assim escreveu Jobim – frase final do texto na contracapa do segundo LP de João Gilberto (1960). Tempo ainda de delicadeza, quase ingenuidade, neste nosso maltratado Brasil. Mas como diz o verso da canção que dá título ao disco: “o amor, o sorriso e a flor/se transformam depressa demais”.

João Gilberto completa 85 anos hoje; quieto no seu canto. João vive recluso – como antes viveu outro grande cantor de voz pequena, seu precursor Mário Reis (1907/1981). Sem cantar, sem gravar, sem falar. Secreto e silencioso. O silêncio faz parte. O silêncio faz parte da música (erudita e popular). Sem ele não há música. Sem ele não há a voz e o violão de João.

“Quando João Gilberto se acompanha, o violão é ele. Quando a orquestra o acompanha, a orquestra também é ele” – observa também Jobim em outro texto, na contracapa do LP “Chega de saudade” (1959). E acrescenta que João “acredita que há sempre lugar para uma coisa nova, diferente e pura”. João rima com inovação – Bossa Nova forever; revolucionou a música popular brasileira com sua batida de violão e sua voz cool. Enfim, sintetizou o samba e eliminou o chamado “dó de peito”, operístico.

João é poesia – essência. Economia instrumental e vocal (“é só isso o meu baião/e não tem mais nada não”). Mesmo quando recria antigos clássicos da MPB como “Samba da minha terra” (Caymmi), “Bolinha de papel” (Geraldo Pereira) ou ainda “Morena boca de ouro” (Ary Barroso). Mas “Chega de saudade”, “Desafinado” e “Samba de uma nota só” (todas de Jobim – a primeira com letra de Vinicius, as outras duas de Newton Mendonça) é que formam o tripé inaugural da Bossa Nova, na interpretação de João. Canções inovadoras no plano harmônico/rítmico e nas lyrics.

Segundo o musicólogo Brasil Rocha Brito, “João Gilberto criou um estilo pessoal, porém não personalista. Incorpora procedimentos e elementos encontradiços no populário brasileiro anterior, outros extraídos do jazz, reformulando-os segundo uma concepção própria, enquadrada na Bossa Nova”.

Se muitos lembram Mário Reis (com seu canto quase falado), quando se fala na emissão vocal de João, é preciso não esquecer a preferência do baiano de Juazeiro por Orlando Silva, o que pode parecer estranho à primeira vista (embora os “volteios” vocais de Orlando, equilibrando graves e agudos, tenham sutileza e até certa leveza).

Quanto à famosa “batida” de violão de João, voltemos a Brasil Rocha Brito. Para o estudioso, João conseguiu no instrumento efeitos nunca ouvidos antes: “a introdução do uso dos acordes compactos, de elevada tensão harmônica, a marcação dos beats em defasamento etc., se devem a ele e fizeram escola”.

As gerações seguintes devem muito à evolução/revolução musical de João; sua influência está por toda parte, na MPB, no próprio jazz – numa espécie de “efeito bumerangue” – e, mais recentemente, na chamada new bossa de algumas bandas britânicas (uma releitura do estilo).

João Gilberto, 85 anos – som & sabedoria; sua “música calada” diz tudo.

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