domtotal.com
Por Gilmar P. da Silva SJ
Muitos namoros começam com o olhar. Dele se segue o interesse pela pessoa, seja por sua beleza ou por seus modos, que são vistos como interessantes. Alguns surgem da convivência. Estar com determinada pessoa pode ser tão gostoso e tão bom que não se quer larga-la e, quando se nota, o amor – ou seja lá o que – bate à porta. A admiração também pode surgir da inteligência, habilidade ou alguma característica peculiar que singulariza a pessoa desejada.
Mesmo em épocas de plataformas digitais, a conexão entre duas pessoas pode surgir dos mesmos fatores, com a diferença de que o interesse por sua beleza física surja através de fotos e os aspectos subjetivos pelo que a pessoa escreve sobre si. O desejo no início pode ser superficial, mas a atração não é menos legítima que aquelas que surgem nas festas em casas noturnas e bares. Você olha alguém e este se sobressai aos demais. Não se sabe nada sobre sua pessoa a não ser o que ela deixa entrever em sua representação social.
O difícil, portanto, não é despertar o olhar para alguém e lhe desejar, mas manter os olhos fixos e crescer no seu desejo até que este ultrapasse, não se voltando somente para um ou outro aspecto, mas se queira a pessoa toda. Aqui entramos no campo da incondicionalidade do amor, o que se alcança num crescente. Aos poucos, passa-se a querer o todo da pessoa, não só o que lhe é agradável. No crescer do amar, acolhe-se o outro e suas circunstâncias. Desse modo, inclui-se nesse interesse o que se considera como defeito. É claro que quem ama deseja que o outro alcance o seu melhor, mas isso é diferente de querer lhe mudar, fazendo-o perder-se de si. Vale para a relação com o outro aquilo que Clarisse Lispector diz sobre a relação consigo: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”.
Namorar, desse modo, consiste numa jornada pelo universo de quem inicialmente se deseja. Vai-se entrando pouco a pouco no mundo da pessoa que se quer, até encontrar lá seu próprio lugar. E assim, um passa a habitar o outro; foram se achegando reciprocamente e se acomodando, ajustando-se com feridas e dons mútuos. Dificilmente se acolhe o outro todo num simples olhar. O amor é aprendizado crescente, paulatino. Talvez por isso alguns casais não saibam quando começaram a namorar. De repente se conheceram e logo ficaram juntos e foram ficando e ficando e ficando... O namoro não começou quando se tornou oficial, mas quando o desejo de estar presente ao outro começou a ganhar feições de necessidade. Quando se gosta de alguém, quer-se ter a pessoa perto, sente-se sua falta.
Repito aqui: difícil não é despertar o olhar numa primeira vez, mas manter os olhos fixos. Aliás, talvez os olhos fixos sejam característica da paixão. Talvez o amor seja um despertar constante do olhar, de ver a pessoa de novo, de se reencantar com ela a cada encontro, de atentar-se para sua constante novidade. Às vezes, pode-se ter os olhos fixos sobre algo ou alguém e não enxerga-lo, olhando pode não se ver. Quando se ama, desperta-se constantemente o olhar. Mas isso é exercício que começa pequeno, com uma semente que nem chamamos amor. Nas artes, chega-se ao prazer estético e a afetação profunda da contemplação com a educação do olhar, o que começa com a simples admiração. Ao absorver visualmente uma obra de arte, sou por ela absorvido. O mesmo acontece nas relações, quando o sentido de pertença se adquire na constância das visitas mútuas. Por um frequentar o universo de outro, ambos passam a se habitar mutuamente.
Contudo, como amar é um crescente, não invada o terreno do outro, nem viole seu coração. Amar não é conquista, é dom, gratuidade. Por isso, não se antecipe nem force o amor. Deixe que ele aconteça.
Palco Giratório
O exercício do olhar e a afetação pelas artes se dão na frequência com que usufruímos das diversas formas artísticas. Esse aprendizado vai se refinando também na variedade e na qualidade das peças e obras que experimentando. Nesse sentido, uma grande oportunidade para a apreciação teatral é o Festival Palco Giratório, promovido pelo SESC. Este ano, além de BH, recebem apresentações as cidades mineiras de Araxá, Contagem, Juiz de Fora, Montes Claros, Poços de Caldas, Teófilo Otoni e Uberlândia. Tendo começado no dia 02 de Junho, o Palco Giratório estende-se até o dia 26 do mesmo mês, com apresentações gratuitas.
A programação pode ser conferida em: http://goo.gl/AswuIe.
Mais informações sobre o festival em www.sesc.com.br/palcogiratorio.
Gilmar P. da Silva SJ
Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário