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Não há mística que dê conta de tirar o sentimento do abandono do morrer.
Por Felipe Magalhães Francisco*
Sabemos a respeito de todos os processos da concepção, da gestação e do nascimento. Temos a pretensão de conhecer a vida, de nos apropriarmos dela, de encontrar sentido para ela. Mas o morrer é silêncio. É passo no escuro desconhecido, no qual não sabemos que forças aliadas teremos na travessia. Travessia para onde? Para onde uns acreditam a partir da fé; ou para lugar algum. O morrer é um mistério que só se revela na experiência – e olhe lá. E dessa experiência profunda, enigmática, não temos testemunhos.
Só sabemos da morte, porque ela abraça o outro. E, além da ruptura na relação com esse outro abraçado, somos alçados à frente de um abismo que revela nossa própria fragilidade, a nossa própria vulnerabilidade. Morremos todos. A poesia de John Donne nos ajuda a assimilar isso, quando nos lança o desafio de não nos perguntarmos por quem os sinos dobram, pois é por todos nós que eles se dobram. O morrer nos engasga, também por isso é silêncio de dor, de ruptura e de espanto – às vezes de medo.
A sabedoria popular já percebera que, sozinhos nascemos, sozinhos morremos. A morte é experiência de abandono, no duplo significado desse abandono. Estamos abandonados, ao morrer, ainda que no momento da partida estejamos circundados de quem amamos, pois essa é uma experiência não compartilhável, é absurdamente pessoal e não se transfere. Abandonamo-nos rumo ao desconhecido, decretando termos cumprido nossa missão – eis o significado da palavra defunto. Mas qual a consciência desse segundo significado de abandono, quando crianças e jovens, de forma abrupta, partem? Talvez não tenhamos nunca respostas plenas, apesar das esperanças da fé. Silêncio, é certo que há.
Não há mística que dê conta de tirar o sentimento do abandono do morrer. Esse é um drama real: “Sinto uma tristeza mortal; ficai aqui e vigiai comigo” (Mt 26,38). Nenhuma presença, porém, é capaz de aliviar-nos deste abandono: “Não fostes capazes de vigiar uma hora comigo” (Mt 26,40). O Rosto abandonado da cruz, porém, ilumina-nos sobre o morrer, como abandono confiante nos braços daquele que, não sem razão, fez-nos existir.
Do profundo grito de abandono, “Eloi, Eloi, lemá sabachtáni” – Pai, Pai, por que me abandonastes? (Mc 15,34) –, ecoa-nos a pergunta sobre onde estaria o Pai, que parecia tão próximo e íntimo do Filho, o abandonado. No ápice do drama humano, é o Espírito quem revela o lugar onde Deus se encontra: “Pai, em tuas mãos eu entrego o meu espírito” (Lc 23,46). O Pai é o próprio lugar amoroso, no qual o Filho pode depositar sua confiança. Do abandono, Jesus é conduzido à mais profunda experiência de comunhão. Até na cruz Jesus nos mostra o caminho de como nos humanizarmos, mesmo que essa humanização se estenda ao abraço do morrer. Só pelo processo de humanização alcançamos a plenitude da vida, que se revela como comunhão. Eis nosso caminho, entre abandono, silêncios e esperanças!
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