domingo, 24 de julho de 2016

Caso real de sequestro inspirou 'Mãe Só Há Uma'

 domtotal.com
Filme tem raízes numa história real, o famoso sequestro do menino Pedrinho em 1986.
Cena do novo filme de Anna Muylaert, “Mãe Só Há Uma”.
Cena do novo filme de Anna Muylaert, “Mãe Só Há Uma”.

Por Neusa Barbosa

Dentre as inúmeras crises que abalam uma adolescência que se parece com tantas outras, Pierre (o estreante Naomi Nero), 17 anos, descobre uma muito mais drástica: sua mãe Aracy (Dani Nefussi) não é sua mãe, nem biológica, nem adotiva, e sim sua sequestradora, que o levou de uma maternidade, ainda bebê.

Este ponto de partida dramático, que conduz o novo filme de Anna Muylaert, “Mãe Só Há Uma”, tem raízes numa história real, o famoso sequestro do menino Pedrinho, em Brasília, em 1986. Mas o roteiro, assinado por Anna com a colaboração de Marcelo Caetano, vai mais longe do que uma adaptação do caso verídico, ampliando-o e atualizando-o para um sensível retrato de adolescência contemporânea.

Exibido no mais recente Festival de Berlim, em fevereiro, “Mãe Só Há Uma” venceu o prêmio de melhor filme pelo júri de leitores da revista alemã “Männer”.

Estabelecida, por um exame de DNA, sua identidade real – ele se chama Felipe, não Pierre -, o jovem é entregue à sua família biológica, formada por um casal de classe média, Matheus (Matheus Nachtergaele) e Glória (interpretada também por Dani Nefussi, o que contribui para a ambiguidade latente de toda a situação) e um irmão menor, Joca (Daniel Botelho).

Ansiosos para compensar o tempo perdido, estes pais literalmente sufocam Pierre de atenções, sem se dar ao trabalho de ouvi-lo, num momento em que o mundo que ele conhecia está desabando rapidamente - ficou para trás inclusive Jacqueline (Laís Dias), de 12 anos, que foi criada como irmã de Pierre e também fora sequestrada.

Neste mundo novo, Pierre tem mais dinheiro e conforto, mas nunca voz. Isto torna mais dramático o choque com os pais, já que neste momento ele está vivendo experiências sexuais nada ortodoxas. Gosta de vestir-se de mulher, pintar as unhas, mas transa com meninas, beija homens. Não definiu se é crossdresser, transgênero ou bissexual e nem quer, uma atitude bastante comum em sua geração, que os pais têm dificuldade de encarar.

Enxuto, com uma duração de pouco mais de uma hora e vinte minutos, o novo filme de Anna Muylaert (“Que Horas Ela Volta?”) consegue dar conta de uma série de aspectos desse estar no mundo adolescente – como demonstram não só as cenas do protagonista como um ótimo diálogo entre dois de seus colegas de escola, que retrata com uma precisão expressiva a angústia afetiva desta fase da vida.

Despojado e sem artifícios, como se fosse um documentário, “Mãe Só Há Uma” aborda em profundidade os limites da sensação de pertencimento e do conceito de identidade. E o faz sem maniqueísmo. Também há momentos em que estes pais extravasam suas emoções neste conflito, em que a palavra-chave, na bela e sutil cena final, é a fraternidade.

O comando do elenco, sob preparação de René Guerra (que faz uma ponta como assistente social), é outro aspecto forte, unindo em equilíbrio atores experientes, como Matheus, Dani, Luciana Paes e Helena Albergaria, e os ótimos garotos estreantes.


Reuters

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