sexta-feira, 22 de julho de 2016

Festa de Santa Maria Madalena

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Sua precedência é menor que a solenidade, porém maior do que uma memória obrigatória.
Madalena são todas as mulheres que na comunidade cristã contribuem com o apostolado da Igreja.
Madalena são todas as mulheres que na comunidade cristã contribuem com o apostolado da Igreja.

Por Pe. Danilo César dos Santos Lima *

O Papa Francisco, recentemente, elevou a celebração da memória de Santa Maria Madalena ao grau de Festa da Igreja.[1] Em termos litúrgicos, anteriormente celebrava-se a sua memória obrigatória. Agora, celebra-se sua festa, tal como se faz em relação aos apóstolos: sua precedência é menor que uma solenidade, porém maior do que uma memória obrigatória. Canta-se o hino de louvor “Glória a Deus” e incorpora um prefácio próprio, em lugar de rezar o prefácio dos santos. Convém, contudo, nos perguntar qual o significado teológico (nos âmbitos bíblico, litúrgico e eclesiológico) da elevação da celebração de Santa Maria Madalena no rito romano.[2] Uma leitura atenta dos indícios escriturísticos e da Tradição à nossa disposição, nos leva a reconhecer uma valorização de sua figura já anterior ao gesto do Papa Francisco, mas que referendam sua recente decisão.

Quem era Maria Madalena?

Maria Madalena, provavelmente porque sua origem estava em Mágdala, cidade costeira do Mar da Galileia, onde o comércio era bastante movimentado. Lucas a menciona junto a outras mulheres (Suzana e Joana), e aos doze discípulos. Todas foram curadas de espíritos imundos, mas de Madalena se disse que tinha sido liberta de sete demônios. A tradição, contudo, a identificou como a prostituta, embora nenhum evangelho tenha dito algo a respeito. Alguns presumem que a atribuição venha de sua origem, Mágdala, cidade portuária e, por isso, muito ligada à essa atividade. Mas o argumento é frágil, pois além do ausente dado escriturístico, na sua cidade não havia apenas prostitutas. Sobre esse argumento, outros fazem confusão, encaixando todas as mulheres do evangelho no perfil da prostituta e no nome da referida discípula. Segundo os que assim pensam, Madalena foi a mulher que, na casa do fariseu Simão, ungiu os pés de Jesus e os enxugou com os cabelos (cf. Lc 7,36-50), ou ainda, a mulher surpreendida em adultério e que, a ponto de ser apedrejada, foi defendida pelo Mestre (cf. Jo 8,1-11). Maria Madalena foi e é ainda confundida com Maria, a irmã de Lázaro...[3]

O que se pode dizer é que Maria Madalena, junto às outras mulheres citadas, era discípula do Senhor e o servia com os seus bens. Pela frequência da citação dos seus nomes e o uso dos verbos relativos ao seguimento de Jesus, os evangelistas as aproximam consideravelmente aos doze discípulos, os mais achegados do Mestre.[4] Contudo, Madalena, recebe de João uma narrativa mais detalhada e teológica a respeito do seu encontro com o Ressuscitado[5]. Jesus é a causa primeira da sua “elevação”, dando-lhe a primazia da experiência pascal. Uma outra tradição eclesial, menos citada e ainda por ser descoberta e estudada: por sua anterioridade no anúncio da ressurreição, ela é chamada por Rabano Mauro e por São Tomás de Aquino de “Apóstola dos Apóstolos”.[6]

Da memória à festa: os textos eucológicos

Os textos oracionais da celebração de Santa Maria Madalena se desenvolvem a partir de alguns eixos temáticos: primeira anunciadora da ressurreição, amor que une a discípula ao Mestre, envio ao anúncio da vitória de Cristo sobre a morte. Contudo, é a aclamação ao evangelho, com um excerto da sequência pascal, que vincula as duas comemorações: Domingo de Páscoa e Festa de Santa Maria Madalena, realizando o mesmo vínculo notável entre a Páscoa do Senhor e a páscoa dos primeiros santos celebrados na Igreja. De fato, os registros oracionais mais antigos dos mártires, os designam pela expressão “Imitator Dominicae Passionis” (Imitador da Paixão do Senhor), ou ainda pela frequente expressão “Dominicae Resurrectionis” (Ressurreição do Senhor), expressões que se encontram relativas aos textos oracionais do mistério pascal de Cristo.[7] Maria Madalena não é celebrada como Mártir da Igreja, mas como testemunha (martyras) da ressurreição. Seu vínculo não se dá pelo derramamento do sangue, mas pelo próprio evento da páscoa, da qual se torna portadora e anunciadora primeira.

Já o prefácio, ainda em latim, narra todo o itinerário da experiência pascal que Madalena perfaz. Sobressai a expressão apostolátus ofício (serviço apostólico) a ela atribuído. A expressão não é sem sentido e sem fundamento na tradição. Tomando como exemplo a eleição de Matias, o discípulo é escolhido para substituir Judas entre os doze para ser testemunha da ressurreição.[8] Madalena não é escolhida, porque seu lugar é anterior: ela anuncia aos apóstolos a ressurreição que eles irão anunciar, por isso, com justeza é chamada de Apóstola dos Apóstolos. Seu “serviço apostólico” é de primeira grandeza, pois a fonte de seu testemunho irriga o testemunho dos doze e da Igreja.

A Igreja em seu momento histórico atual

A sensibilidade do Papa Francisco em relação à situação eclesial da mulher tem sido notícia frequentemente veiculada pelos jornais. Dentre elas destacamos: ele confiou a direção de uma importante faculdade romana a uma teóloga; incluiu as mulheres no rito do lava-pés e abriu a discussão sobre o diaconato feminino.[9] Os gestos não devem ser entendidos como iniciativas populistas ou irresponsáveis, outrossim como proféticos e portadores de uma nova esperança. Madalena são todas as mulheres que na comunidade cristã, dos serviços mais simples aos mais elaborados, dos mais ocultos aos mais explícitos, contribuem com o apostolado da Igreja por meio de sua inteligência, força, audácia e coragem, graça e encanto. “Era preciso festejar” a volta à cena de uma discussão, de uma presença, de um necessário reconhecimento. Madalena já fora reabilitada por Cristo e pela sã Tradição da Igreja. O reconhecimento de seu apostolado, pelo Papa, com uma festa litúrgica, acende luz mais forte sobre o que ela simboliza para uma Igreja aberta às mulheres e aberta ao futuro.

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[1] Cf. SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS. Decreto della Congregazione per il Culto Divino e la Disciplina dei Sacramenti: la celebrazione di Santa Maria Maddalena elevata al grado di festa nel Calendario Romano Generale,10.06.2016.In.http://press.vatican.va/content/salastampa/it/bollettino/pubblico/2016/06/10/0422/00974.html, extraído em 24 de junho de 2016, às 22h.

[2] O missal romano remonta a comemoração de Santa Maria Madalena ao “martiriológio de Beda, dos Sírios, Bizantinos e Coptas”. Cf. Missal Romano.  São Paulo: Paulus, 2014, p. 618.

[3] Quando ajuntam-se e alinham-se os dados, pode-se perceber uma crescente consciência que a identifica como prostituta, contudo, permanecem as distorções em torno da identidade de Madalena.

[4] Cf. RAMOS, Adela. “As mulheres no evangelho de Lucas”. In. Ribla, 44 (2003/1), p. 78-94.

[5] Cf. Jo 20,11-18. O texto é um relato com muitas reminiscências bíblicas: o jardim do sepulcro e o jardineiro, o ressuscitado e a mulher (Madalena), como referências à criação e ao primitivo casal. O caráter esponsal aparece sobretudo a partir dos vv. 15.17, referências à amada do Cântico dos Cânticos.

[6] Cf. Citações presentes ao texto anexo ao Decreto, do Monsenhor Arthur Roche, Secretário do Dicastério donde se emanou o decreto do Papa Francisco (supra citado).

[7] Cf. AUGÉ, Matias. “As festas do Senhor, da Mãe de Deus e dos santos”. In. VV.AA. O ano litúrgico: história, teologia e celebração. Col. Anámnesis, 5. São Paulo: Ed. Paulinas, 1991, pp.  260-275; L’anno Litúrgico: è Cristo stesso presente nella sua Chiesa. Col. MSIL, 56. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2009, p. 265-284.

[8] Cf. At 1,22.

[9] Cf. http://www.ihu.unisinos.br/noticias/532994-cargo-chave-para-uma-mulher-no-vaticano; http://www.ihu.unisinos.br/noticias/551086-o-papa-admite-mulheres-na-lavagem-dos-pes-da-quinta-feira-santa; http://www.ihu.unisinos.br/noticias/555064-um-gesto-audacioso. Extraídos em 25 de junho de 2016, às 0h6.

Leia também:

Maria Madalena, Apóstola que amava o Senhor

Maria Madalena: 'Àquela que é igual aos apóstolos'

Maria Madalena, Apóstola do Ressuscitado

*Pe. Danilo César dos Santos Lima, presbítero da Arquidiocese de Belo Horizonte. Liturgista formado pelo Pontifício Instituto Litúrgico Santo Anselmo, em Roma. Leciona Liturgia e Homilética na PUC Minas. Membro da Celebra, Rede de Animação litúrgica. Colabora com o ensino da Liturgia em outras instituições de ensino, comunidades e dioceses. Email para contato: danidevictor@gmail.com.

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