sexta-feira, 22 de julho de 2016

Maria Madalena: 'Àquela que é igual aos apóstolos'

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Ocupa um lugar central. Constitui um pilar, por assim dizer, da transmissão da fé da Igreja.
O que os textos relatam dessa personagem, que é o mais importante, simplesmente foi negligenciado.
O que os textos relatam dessa personagem, que é o mais importante, simplesmente foi negligenciado.

Por Pe. César Thiago*

Maria Madalena é uma figura emblemática. Ao longo dos séculos muito tem se dito dessa personagem. Isso se verifica nas pregações, nas poesias, na literatura e nas pinturas. Como exemplo disso, existe um sermão anônimo do século XVII intitulado o Amor de Madalena, que ganhou grande divulgação entre os que se interessavam por essa personagem. No entanto, ao percorrer os textos evangélicos constata-se que eles oferecem poucos dados a seu respeito, por isso sua biografia encheu-se com um trabalho de imaginação, que tem como ponto de partida um mal-entendido instaurado como verdade ao longo dos primeiros séculos do cristianismo. Por conta desse mal-entendido, a figura de Madalena sofreu uma violência simbólica, roubando-lhe sua identidade. Bem cedo se inicia, na Igreja, uma discussão que pretende aprofundar sua figura. Na busca pela biografia de Madalena cria-se uma confusão. Os dados que, aparentemente, contribuíram para isso foram os fatos dela ser chamada com o apelativo de Madalena (de Mágdala) e, portanto, sua vinculação não era a nenhum homem, o que era comum naquele tempo, mas sim a sua proveniência e o fato de que nos relatos evangélicos se afirma que dela Jesus expulsou sete demônios (cf. Mc 16,9; Lc 8,9). Posto isso, inicia-se o debate que pretende identificar ou diferenciar Maria Madalena de Maria de Betânia, e ambas da pecadora que unge os pés de Jesus (cf. Lc 7,38-39). Foi o Papa Gregório Magno (+ 604), que em seu sermão de 14 de setembro de 591, encerra essa discussão no Ocidente identificando as duas Marias com a pecadora que ungiu os pés de Jesus. Foi a partir daí que a atribuição de prostituta ganhou asas.

Não existe fundamento bíblico para afirmar que Maria Madalena foi prostituta ou não. O que está em jogo aqui não é um discurso moralista sobre a prostituição, mas sim a pergunta sobre o roubo que fizeram sobre a sua identidade no cenário eclesial, evidenciando algo que não se pode afirmar nem negar, pois não existem dados para isso. O que os textos evangélicos relatam dessa personagem, que é o mais importante, simplesmente foi negligenciado. Ela fazia parte das seguidoras de Jesus (cf. Lc 8,2). O Mestre de Nazaré havia lhe devolvido a vida ao retirar sete demônios. Sete é um número simbólico que se refere à totalidade. Os demônios eram na verdade enfermidade, portanto não tem nada haver com prostituição. Jesus a cura totalmente. Era uma líder da comunidade. Sua liderança era reconhecida, como mostram os relatos evangélicos da paixão/ ressurreição. Ela encabeça o grupo das companheiras do Mestre, que se ocupam de seu corpo morto e como testemunha da ressureição (cf. Mc 16,2). É ela que recebe do Ressuscitado a missão de anunciá-lo aos companheiros. Se se toma a sério a teologia paulina no sentido de que a Igreja se assenta nas testemunhas do mistério pascal de Jesus de Nazaré, há de se reconhecer que Maria Madalena ocupa um lugar central. Constitui um pilar, por assim dizer, da transmissão da fé da Igreja. A teologia feminista muito tem ajudado a refletir sobre Madalena desde esse lugar. A melhor chave para ler a sua figura na relação com Jesus é a do discipulado. Os evangelhos canônicos permitem essa leitura bem como o Evangelho apócrifo de Maria Madalena. No apócrifo mostra narrativamente que ele confidencia a ela informações que não teria passado para o grupo dos doze. Uma relação de confiança e intimidade.

Na escola da lex orandi no último dia 03 de junho o Papa Francisco dá o devido lugar à figura de Madalena. Eleva sua memória celebrada no dia 22 de julho para festa. Um prefácio próprio é composto. Esse prefácio revela alguns elementos relevantes que evidenciam Madalena como uma líder da comunidade primitiva. Retomando o dado bíblico afirma que foi a ela que o Ressuscitado se fez reconhecer e lhe confiou a mensagem de vitória sobre a morte e Sua glorificação junto do Pai. De forma profética, o prefácio afirma que Madalena é “àquela que é igual aos apóstolos”, recuperando, assim, o título "De apostola apostolorum" já atribuído a ela e utilizado em algumas liturgias orientais.

Contemplar Maria Madalena remete a tantas mulheres de hoje. Quantas que são violentadas simbolicamente, no intuito de lhes roubar a identidade feminina, reduzindo-as ao chamado negativamente “sexo frágil”. Várias são as madalenas que se podem encontrar na sociedade e nas comunidades de fé. Mulheres que assumem lideranças nas comunidades cristãs e que a elas são negadas pela instituição uma maior forma de participação nas instâncias de decisão porque a estrutura ainda permanece marcada pelo machismo e patriarcalismo. No entanto, por vezes, são a essas madalenas que o Ressuscitado aparece para anunciar a Boa Nova da libertação e a elas confia a missão de transmitir isso. Nesse sentido, a atitude do Papa Francisco em tornar em festa a memória de Madalena pode, quem sabe, ser lida numa perspectiva de esperança de uma possível maior abertura para as mulheres por parte da Igreja. O desafio agora que compete à pregação é evidenciar Madalena mais como uma seguidora do Senhor e anunciadora de uma Boa Nova do que se ater em questões periféricas, que não abarcam a grandeza que essa figura possui. 

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*Pe. César Thiago, mestre em teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE).

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