quinta-feira, 14 de julho de 2016

Nada pessoal: a relação Macri e o Papa Francisco

domtotal.com
Francisco vem hasteando princípios e bandeiras a favor dos pobres e excluídos.
Existem diferenças sobre quem deve ser atendido, de quem se ocupar e a quem beneficiar.
Existem diferenças sobre quem deve ser atendido, de quem se ocupar e a quem beneficiar.

Dias atrás o jornalista Joaquín Morales Solá escreveu que o Papa lhe teria dito em uma entrevista privada que “Macri me parece uma pessoa bem nascida, uma pessoa nobre”. Será preciso dar crédito às palavras do colunista do jornal La Nación, embora ele mesmo sustente que não existe outro porta-voz de Francisco senão “a Sala de Imprensa do Vaticano” e que, portanto, estaria desautorizada qualquer pessoa que falar em nome do Papa ou anunciar algo que não foi dito oficialmente pelos meios que o Vaticano tem para tal fim. Pelo visto, Morales Solá entende que “todos” os que falam em nome do Papa têm que ser desautorizados. Mas ele mesmo não esta incluído no “todos”.

À margem do que foi dito anteriormente, poucos dias depois da referida conversa reservada entre o jornalista do La Nación e Francisco, o Papa enviou um documento – este sim oficial – por ocasião da celebração do Bicentenário da Independência da Argentina para fazer chegar “uma cordial saudação” aos bispos, “às autoridades nacionais e a todo o povo argentino”. Significativamente, para saudar o povo argentino Francisco escolheu dirigir a carta ao presidente da Conferência Episcopal, o arcebispo José María Arancedo, a quem menciona como “querido irmão”, e não ao presidente Mauricio Macri, a quem, segundo Morales Solá, Bergoglio considera uma pessoa “bem nascida” e “nobre”. Não é a primeira vez que Francisco manda sua saudação ao povo argentino por motivos pátrios. No entanto, em ocasiões anteriores preferiu fazê-lo por meio da ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner, quando ela estava no uso de suas funções presidenciais.

Também não há lugar para as interpretações quando, no texto oficial da carta ao arcebispo Arancedo, o Papa Francisco, após recordar que em nosso país, para nos referirmos às pessoas inescrupulosas, dizemos que “este é capaz de vender até a mãe”, sustenta que “não se vende a Mãe, não se pode vendê-la... assim como a Mãe Pátria”. Para não aventurar interpretações se poderia usar também outro provérbio popular argentino: “a quem o poncho servir, que o use”.

No entanto, poderíamos concordar com o jornalista do La Nación que costuma antecipar o discurso que depois será ecoado pelo oficialismo: não há nada pessoal entre Macri e o Papa. Se existe uma diferença entre ambos não é do tipo pessoal. Desde que assumiu a máxima responsabilidade da Igreja católica, Francisco vem hasteando princípios e bandeiras a favor dos pobres e excluídos expressados em seus documentos e declarações oficiais que são diferentes da forma de pensar e das decisões políticas adotadas por Macri e pela Aliança Mudemos na Argentina. Porque o Papa fala dos pobres e dos excluídos e Macri e os seus tomam decisões que vão contra os pobres e os excluídos. Porque o Papa sustenta que “não se vende a Pátria” e o governo do Mudemos opta por pedir desculpas aos estrangeiros que se beneficiaram com a venda da pátria ou acolhe aqueles que atropelaram os direitos dos argentinos.

É verdade. Entre Francisco e Macri não há nada pessoal. Existem, isso sim, diferenças sobre quem deve ser atendido prioritariamente, de quem se ocupar e a quem beneficiar. E, sem transferir estas diferenças para o plano pessoal, o Papa insiste em continuar marcando a distância que existe entre sua concepção religioso-política do mundo e da história e aquela defendida pelos atuais governantes da Argentina.

Página/12, 12-07-2016

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