Com o Brexit, Reino Unido aproxima-se de estado de esquizofrenia coletiva e contagiosa.
No Reino Unido afloram os rancores, as vinganças, a xenofobia, o racismo.
Por Marco Lacerda*
Jovens ingleses têm dormido engasgados com as consequências que a decisão britânica de deixar a União Europeia trarão para um estilo de vida onde é costume crescer num país, estudar em outro e trabalhar num terceiro. Mas esta pode ser considerada uma preocupação fútil diante do depoimento que ouvi há pouco, na CBS News, de um pai falando sobre a crescente onda de violência contra imigrantes na Grã Bretanha.
O pai em questão é o jornalista espanhol Carlos Fresneda, correspondente em Londres do jornal El Mundo. Carlos confessou que já estava se acostumando com o estranho clima inglês, até de sair de casa com guarda-chuva em julho, época em que o sol arde em Madrid. Tudo que aprendeu e viveu em quatro anos na Inglaterra, no entanto, foi por água abaixo com a tormenta do Brexit.
“Sabíamos que estava chegando, mas resistíamos a acreditar. Nem nas previsões mais agourentas da campanha pela permanência estava incluído o patético espetáculo que estamos vendo. Estamos nos aproximando de um estado de esquizofrenia coletiva e contagiosa”, disse o jornalista com a voz embargada.
Não são apenas as mentiras do Brexit que afloram a esta altura, mas também os rancores, as vinganças, a xonofobia, o racismo. “A campanha trouxe à luz seus instintos mais baixo, queridos amigos britânicos”, disse o correspondente na entrevista.
Em seguida, Fresneda descreveu diante das câmeras da CBS um episódio difícil de imaginar num país com séculos de tradição e cultura. Dia desses, seu filho de 12 anos chegou do colégio com um olho roxo. Tudo aconteceu durante uma pelada no colégio. Um colega deu-lhe um soco na cara numa disputa de bola. O golpe foi acompanhado de uma ameaça: “Volta pro seu país, maldito imigrante”!
Durante vários dias, o agressor continuou a fazer uso da palavra maldita (‘imigrante’). “Minha mulher e eu pensamos em denunciar o incidente ao colégio, mas meu filho nos persuadiu a não fazê-lo. O que até então parecia coisa de meninos, tornou-se moeda corrente. E quando ele me pergunta como o Brexit nos afetará, me dói dizer-lhe que cedo ou tarde ele terá que optar entre o Real Madrid e o Chelsea”.
Os que prometeram um ‘futuro glorioso’ para o Reino Unido fora da UE estão afundando em seu próprio naufrágio. David Cameron conta os dias para sair humilhado pela porta dos fundos de Downing Street, enquanto Theresa May desponta como a nova Dama de Ferro com a missão de consumar a ruptura com a Europa.
Talvez seja o momento de lembra o que disse há quatro séculos um poeta da casa, John Donne, que traduziu melhor que ninguém o eterno dilema e a relação conflitiva que assombra os ingleses: “Nenhum homem é uma ilha em si mesmo; cada homem é um pedaço de um continente, uma parte da terra”.
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do DomTotal.
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