sexta-feira, 19 de agosto de 2016

A cultura do encontro

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Jesus nos ensina a urgência de irmos ao outro.
Papa Francisco incentiva a cultura do encontro.
Papa Francisco incentiva a cultura do encontro.

Por Tânia da Silva Mayer*
O Papa Francisco tem insistido sobremaneira na promoção da cultura do encontro. Na sua “Alegria do Evangelho”, ele sinalizou que o encontro é lugar, por excelência, diríamos nós, para anunciar a alegria do Evangelho. Nesse sentido, aquilo que compreendemos por evangelização ultrapassa qualquer doutrinação por meio de catecismos, precisamente, ela é escuta, diálogo, gesto e anúncio da pessoa de Jesus. E isso se dá, primordialmente, no encontro das alteridades. Desse modo é que há sentido para se falar numa Igreja em saída, em cristãos e cristãs desacomodados, em pessoas que não temem ir ao encontro do outro, para ouvi-lo e acolhê-lo.

A cultura do encontro, tão necessária em nossos dias e tão minada na contemporaneidade, num sentido universal, é exigência do viver em sociedade. Ninguém é uma ilha. Em maior ou menor grau, com justiça ou injustamente, nós haveremos de nos relacionarmos uns com os outros. O contrário disso é o caos social. Só há sentido falar de sociedade pressupondo que os indivíduos se relacionem entre si. Num sentido específico, o cristianismo, poderíamos dizer, é um acontecimento do encontro. A própria revelação de Deus, na vida e história de Jesus de Nazaré, é um acontecimento de encontro, encontro na encruzilhada do corpo e da palavra humana. Deus, Ele mesmo, buscou a humanidade para encontrar-se com ela, estabelecendo relações de respeito à liberdade e justiça.

As pessoas que vivem em lugares interioranos, onde a vida é acompanhada pelo rito do tempo que não “devora” seus filhos, ainda sabem experimentar bem o encontro com o outro. Encontram-se na capela para uma liturgia; encontram-se na praça para uma quermesse; encontram-se nos velórios e sepultamentos dos queridos e dos vizinhos; encontram-se nas casas, para as rezas das novenas e do terço; encontram-se na praça; etc. E o encontro é marcado pelo reconhecimento; pelos olhos nos olhos; pela história que o outro carrega; pelo nome, que identifica e pessoaliza aquele com o qual se encontra. Tudo isso pode soar nostalgicamente a quem já experienciou a proximidade e o encontro com os outros, tantas vezes. E isso é sintoma de que o individualismo tem prevalecido, sequestrando o outro e tornando-o, cada vez mais, um anônimo.

O anonimato é uma das formas mais cruéis de exclusão. E isso acabou se tornando um costume em grandes cidades, em grandes centros urbanos. A velocidade da vida e a correria do dia a dia invisibilizou pessoas, tornando-as anônimas. Nessas metrópoles e megalópoles brasileiras não há espaço para o reconhecimento e nem para o encontro. As pessoas são frias, mudas, não se olham e nem se cumprimentam. Ouvir um “bom dia!” é quase uma experiência extraterrestre. Gestos de gentileza são sepultados nas profundezas de uma cidade de concreto, que nunca desacelera para permitir que as pessoas se encontrem e se reconheçam. E essa realidade, que acaba sendo mais visível no “convívio” conflitivo nas zonas de comércio e trabalho dessas grandes cidades, está presente, também, nas periferias. As pessoas migram para as suas casas, permanecendo longas horas num trânsito caótico. Acompanhadas pelos seus fones de ouvido, chegam tarde em suas residências, onde desejam repousar e nada mais. No outro dia a “correria” será iniciada logo cedo. Não há tempo para o encontro, esse demanda tempo e lugar, coisa difícil de obter nesses contextos. Normalmente, no sábado e no domingo, quando não são convocadas para trabalhar, preferem a reclusão para descansarem.

Esse quadro comparativo, que não pretende ser uma análise social, porque há profissionais que o farão com as técnicas e os requisitos científicos necessários, é uma tentativa de apontar diferenças e perceber semelhanças. A semelhança base, e mais importante, é o ser humano. As pessoas não se humanizam sem estabelecer teias relacionais, umas com as outras. O ser humano é ser com os outros no mundo, ninguém é verdadeiramente humano sozinho, somos herdeiros e transmissores da humanidade, e isso é potencializado quando nossas relações são fundadas na justiça. Portanto, torna-se urgente promover a cultura do encontro, em meio a tantos desencontros cotidianos, que nos torna anônimos e nos exclui.

Jesus nos ensina a urgência de irmos ao outro, para comunicar-lhes a Boa Notícia do Reino. Precisamente, foi assim que ele viveu, encontrando-se com cada pessoa da qual se aproximava. A cultura do encontro é, antes de tudo, sair ao encontro do outro. Por isso, Francisco insiste que os cristãos e cristãs devem ser gente de saída, sem desânimo e não acomodada. Porque o encontro é epifania de algo maior, é a manifestação de uma realidade salvífica, mesmo quando fora da lógica salvífica cristã, porque se ele é lugar primordial para a partilha da fé e da alegria a que todos são chamados, antes o encontro é lugar de humanização, em que cada pessoa se reconhece e se (re)encontra na relação com a outra. 

*Tânia da Silva Mayer é Mestra e Bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje); Cursa Letras na UFMG. É editora de textos da Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Escreve às sextas-feiras.

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