sábado, 20 de agosto de 2016

Coragem!

domtotal.com

Por Gilmar P. da Silva SJ

Parece bobagem quando alguém diz para não se ter medo, para se agir com coragem, como se o segundo anulasse o primeiro. Acho que uma coisa não exclui a outra. Ao menos em minha experiência, percebo que em muitas das minhas mais corajosas atitudes, o medo estava presente.

O medo indica a ficar no próprio lugar, a proteger-se dos perigos iminentes. Ele paralisa ou faz tremer. Na paralisia temerosa, não nos movemos esperando o perigo passar sem que nos perceber. O corpo fica sem reação porque qualquer atitude a ser tomada pode resultar em algo pior e a mente não consegue decidir. Em tal sentimento ficamos como mortos antes mesmo da ameaça nos atingir. Já no tremor, o corpo se move como querendo escapar, mas pulsa sem direção porque é incapaz de decidir aonde ir. Fica esperando a hora certa de responder ao ataque ou fugir, ainda que o perigo seja simbólico.

Não obstante, o medo é a consciência do perigo, o sentimento de que algo pode ir mal. Nesse sentido, tem algo de positivo. Esse alerta nos faz prudentes e é importante ser sentido. O problema é quando cresce ao ponto de dominar nossas ações. Além da paralisia e do tremor, há quem se antecipe à ameaça e aja de modo contrafóbico, tornando-se, às vezes, ele próprio o perigo ao que o amedronta. É comum ver pessoas inseguras sendo arrogantes – reação de segurança ante a fragilidade que percebe em si.

A coragem por sua vez não exclui a consciência do perigo. Ela só não deixa que o medo tenha a última palavra. Parece que, se este é um sentimento ou emoção visceral, a coragem vem de outro lugar, do coração. Quando se age pelo coração, faz-se aquilo que se crê ou ama, independente do medo. É claro que o medo estará lá, alertando sobre os riscos, e que tem coragem o levará em consideração, mas não será parado por ele. Isso de tal modo que o contrário ao medo seja mais a fé e o amor do que a coragem. Esta é a determinação do coração em seguir em frente, em ultrapassar os próprios limites impostos pela insegurança.

Não entenda, pois, quando alguém lhe disser “Coragem!” que é apenas um conselho infundado que desconhece as possibilidades negativas de um projeto. Trata-se de um impulso a ir além, um convite a examinar o próprio coração e se deixar conduzir por ele. O amor, à medida que nos atrai para o amado (pessoa, sonho, projetos etc.) constitui-se do que nos move, torna-se princípio da coragem de viver.

A língua em pedaços

A peça, comemorando o V centenário de nascimento de santa Teresa D’Ávila, baseia-se em sua autobiografia, "O Livro da Vida", e narra um fictício embate entre ela e um inquisidor. A narrativa foi premiada como melhor texto de literatura dramática pelo Ministério da Cultura espanhol e sua autoria é de Juan Mayorga. Acusada de heresia e subversão, a freira empreende uma reforma no modo de vida do Carmelo movida pelas inspirações que recebe na oração. Sobre elas recaem as suspeitas da hierarquia eclesial por sua novidade, experiências espirituais marcadas por um acento demasiado humano, incluindo mesmo a erótica na mística cristã, imbricando realidades divinas e profanas na metáfora do matrimônio espiritual. Na peça temos uma mulher corajosa, capaz de enfrentar as duras oposições eclesiais pelo impulso do amor e da fé.

A história toda se passa na cozinha do convento da Encarnação, testificando o princípio teresiano de que “até mesmo na cozinha, entre as panelas, anda o Senhor”. Teresa o encontra em todo lugar e sua santidade não lhe constitui alteridade distante que não possa tocar. Em oposição, seu inquisidor é um homem cujo Deus se resume a conceitos intelectuais aprendidos desde princípios lógicos e não do afeto ou da experiência pessoal. Um Deus como o de Teresa lhe é pequeno demais para ser considerado divino, mas ela o experimenta desde o paradoxo de quem entende que sua glória se mostra no assumir-se humano até a morte de cruz; o que se faz pequeno é o que de fato é grande. A mística proposta pela santa se trata de um caminho integrador da vida, que tem o amor como princípio e a coragem como consequência.

A peça fica em cartaz no CCBB até dia 05 de Setembro. Os valores variam entre R$ 10 e R$ 20. Maiores informações em culturabancodobrasil.com.br/programacao/belo-horizonte#teatro e alinguaempedacos.com.

Gilmar P. da Silva SJ
Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana.

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