segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Jesus agachou-se e com o dedo começou a escrever no chão

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É urgente vencer o ódio que tem se tornado rotineiro.
É urgente vencer o ódio que tem se tornado rotineiro.

Por Felipe Magalhães Franscisco*

O episódio no qual Jesus se abaixa e escreve no chão é narrado pelo evangelista João, na ocasião em que conta o episódio com a mulher pega em adultério (cf. 8,1-11). Os fariseus, exímios cumpridores da Lei, levaram a mulher até Jesus, a fim de colocá-lo à prova. Jesus não responde às indagações daqueles homens, tomados pelo espírito de justiciamento. O que faz é agachar-se e começar a escrever no chão.

Os homens insistiram em suas perguntas. Jesus, colocando-os no centro da questão, diz: “Quem de vós estiver sem pecado atire a primeira pedra” (v. 7). E, novamente, agachou-se e voltou a escrever no chão. Diante disso, os homens, um a um, foram se retirando. E a mulher não foi apedrejada. O que escrevia Jesus no chão? Não seria de todo estranho acreditar, como pensam muitos exegetas, que ele escrevia os pecados daqueles homens, que queriam cumprir a Lei, apedrejando a mulher, mas sem cumpri-la em suas próprias vidas.

Esse episódio não me saía da cabeça, ao assistir, por longas horas, a defesa de Dilma Rousseff no Senado, no maior teatro montado em cadeia nacional, dos últimos tempos. As cartas já estavam marcadas; o acordo, previamente estabelecido. Tudo não passou de um rito, ao estilo mais farisaico possível. E, ao contrário do texto bíblico, os homens não abandonaram suas pedras. Jogaram-nas. Seus pecados, tão amplamente conhecidos, não foram motivos de um pesar de consciência. Apesar de usarem o grito como argumento, não foi pelo Brasil, não foi pelo povo. Foi pelo poder; foi para mostrar que têm poder; foi para revelar que são escravos do poder.

Dilma errou, todos sabemos. Mas pagou um preço altíssimo. A mulher, indiscutivelmente valente, padeceu sob as pedradas de escravocratas, de corruptos, de traficantes e de acusados de tantos outros crimes. O cinismo e a hipocrisia venceram. Mas Dilma seguirá valente. Ela saiu maior e mais íntegra de todo esse processo. Nós, do povo, já não podemos ter certeza de como conseguiremos recomeçar. Um sinal já desponta em todo o país: as ruas ocupadas, enfrentando a truculência do Estado, em meios às bombas e às balas de borracha da polícia da ditadura.

Mas não basta. É preciso libertar as consciências. É urgente vencer o ódio que tem se tornado rotineiro, com discursos e atitudes de diálogo, de respeito, de gentileza, sem abrir mão da coragem de quem acredita que é possível transformar toda essa realidade apodrecida. Não podemos dar tréguas aos golpistas: nunca deixemos que se esqueçam quem verdadeiramente são e o que representam. Abaixemo-nos para escrever seus crimes no chão da história, a fim de que não perpetue a impunidade e o desrespeito ao povo que dizem representar e defender.

"Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”, dizia Che Guevara. Esse é o nosso grito. Essa é a nossa resistência! Não esperemos que a História nos dê razão. Construamos a História. Resgatemos a democracia. Reformemos o modo de fazer Política. Que as esquerdas de nosso país, nessa grave crise que enfrentamos, tenham claro diante de si o compromisso de ressignificar-se, de corrigir os próprios erros, a fim de que exerçam, com verdade, seu papel de levar a História adiante. A fala de Jesus ecoe entre nós: “Vai, e de agora em diante não peques mais” (Jo 8,11).

*Felipe Magalhães Francisco é mestre em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Coordena a Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Coordena, ainda, a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). Escreve às segundas-feiras.

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