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Emendas inseridas silenciosamente à MP escancaram as multifaces de Temer.
Onde estão as propostas de emenda na MP que incentivam as fontes de energias renováveis ?
Por Pedro Lima Junior*
O Congresso Nacional aprovou no dia 11 de outubro, semana passada, a Medida Provisória (MP) nº 735 feita, em junho, pelo então presidente interino, Michel Temer. Segundo a justificativa, presente na consultoria legislativa, página 6, a MP propõe limitar despesas da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) a partir de recursos da União como forma de evitar riscos à gestão fiscal, bem como promover uma distribuição dos recursos da CDE, permitindo que o setor elétrico seja mais dinâmico e eficiente, e contribua com a retomada da economia do país, consequentemente auxiliando na geração de empregos. Porém, de forma cínica e golpista, a MP 735 insere sorrateiramente emendas que incentivam, ainda mais, as usinas termelétricas de carvão, combustível fóssil responsável por mais de 45% de emissão de gases de efeito estufa no planeta. Os argumentos usados para a manutenção dessas usinas são os mesmos do século retrasado: a abundância desse resíduo, o seu baixo custo e a garantia infalível da economia no setor produtivo.
Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a quantidade de carvão no planeta ultrapassa o número de 840 mil toneladas. Coincidentemente, as maiores reservas estão nos territórios das principais potências de tecnologia industrial: EUA (28, 6%), Rússia (18,5%) e China (13,5%). Contudo os maiores produtores, ou seja, os que usam o carvão como energia, são EUA e China. O Brasil tem uma reserva de 1%, concentrada principalmente na região Sul do país.
Não por acaso, Fernando Zancan, presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM), defende fervorosamente a aprovação final da MP 735 no Senado, que pode ocorrer ainda este mês. O supracitado em entrevista ao portal Engeplus de Santa Catarina e ao Sindicato da Indústria de Extração de Carvão do Estado de Santa Catarina (Siecesc), comentou:
“É um passo importante. Depois de aprovada teremos que desenvolver o importante trabalho de implementar o Programa, e atrair investidores para que possamos construir um futuro para as nossas regiões carboníferas. O Brasil precisará de carvão para dar a energia firme, de baixo preço e de baixo impacto ambiental e esse caminho começa com a aprovação da MP 735”. (Grifos meus).
No decorrer da entrevista, Zancan exalta os lucros que serão adquiridos pelas indústrias, na casa de 900 milhões até 2027, o que, segundo ele, “permitirá renovar o parque termelétrico com usinas mais eficientes e com uma redução de gases de efeito estufa já a partir de 2023”.
E é aqui que deflagram as contradições. Na COP-21 realizada em Paris, um novo acordo foi feito pelos países presentes (195 no total) buscando soluções reais às mudanças climáticas e incentivando os líderes mundiais a assumirem seus compromissos. O Brasil apresentou uma proposta ousada e corajosa no Acordo de Paris, deixando-nos todos animados. Na ratificação assinada pelo presidente Temer há exatos 40 dias, entre os compromissos brasileiros estão a recuperação, até 2030, de 15 milhões de hectares de pastos degradados e de 12 milhões de hectares de áreas de preservação permanente e reserva legal e, por outro lado, a garantia de 45% de energia renovável na matriz energética e 23% de fontes renováveis não hídricas na matriz elétrica. Se tratando da redução na emissão de gases de efeito estufa, provenientes principalmente da queima de combustíveis fósseis como o carvão mineral, o Brasil comprometeu-se em “reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025, com uma contribuição indicativa subsequente de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% abaixo dos níveis de 2005, em 2030. Para isso, o país se compromete a aumentar a participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética para aproximadamente 18% até 2030”. (Confira aqui os fundamentos e os compromissos do governo brasileiro firmados a “Pretendidas Contribuições Nacionalmente Determinadas” – iNDC (sigla em inglês)).
Diante das contradições entre as emendas da MP 735 (inseridas silenciosamente) e o compromisso firmado pelo governo Temer no Acordo de Paris, faço duas perguntas para reflexão:
1º - Onde estão as propostas de emenda na MP que incentivam as fontes de energias renováveis a fim de eliminar de vez combustíveis fósseis, visto que o presidente Michel Temer assinou a ratificação do Acordo de Paris em 12 de setembro, pouco mais de um mês, comprometendo-se no combate às mudanças climáticas e que a partir de 04 de novembro virará lei?
2º - Se as receitas da CDE são adquiridas sobretudo pela competição de empresas de energia de carvão mineral, como garantir a redução de gases de efeito estufa – compromisso firmado pelo Brasil – oriundos da queima do carvão, tais como: monóxido de carbono, dióxido de carbono, enxofre, metano, mercúrio, etc.; comprovados que são extremamente nocivos à saúde humana e prejudicial ao meio ambiente?
André Nahur, coordenador do programa Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil comentou a respeito no site da ONG: “Para contribuir com a parte que lhe cabe no acordo climático global, o Brasil precisa congelar a expansão das térmicas a carvão e a óleo combustível imediatamente e iniciar uma transição para atingir uma matriz energética 100% renovável em 2050. [...]. Construir novas usinas a carvão, mesmo com promessa de redução de 10% nas emissões, vai no sentido oposto do Acordo de Paris”.
Infelizmente, este golpe astuto feito pelos “donos do poder” não está sendo noticiado pelas mídias. (Salvo as independentes e sites de ONGs). Um escândalo que, aliás, poderá ser suavizado pela grande imprensa – não duvidem – com o argumento falido e caduco que “é mais urgente salvar a economia do que o planeta”. Ou ainda, “depois a gente pensa em meio ambiente, afinal a economia precisa crescer”. A incoerência reside no modelo único de crescimento que as nações seguem, reféns do capital e crentes na incapacidade de interação entre as duas instâncias: economia e meio ambiente. Papa Francisco em sua carta encíclica “Laudato Si – sobre o cuidado da casa comum” faz um alerta que vem iluminar e confirmar as resoluções da COP-21 e o Acordo de Paris. Alguns eixos que atravessam a encíclica, são, por exemplo:
“a relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do novo paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia, o convite a procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave responsabilidade da política internacional e local, a cultura do descarte e a proposta dum novo estilo de vida.” (Laudato Si. 16).
Se por um lado percebemos que a grande mídia não noticiou esses fatos, seria ao menos coerente que cristãos, e todas as pessoas de boa vontade, independentemente de suas crenças, denunciassem este absurdo.
Infelizmente no Brasil perpetua-se a política arcaica, do velho modelo industrial, eticamente irresponsável, de ações limitadas e limitadoras, e fortemente coronelista. E essa prerrogativa não se limita ao governo atual de Temer. As contradições do PT nas áreas éticas, sociais e fiscais são notórias. O problema é que no governo Temer, o velho modelo de fazer política é retomado sem pudor, quando, por exemplo, oferece-se jantares a parlamentares para aprovação de PECs apocalípticas, e almoço à bancada ruralista prometendo rever demarcação de terras indígenas e revogação da decisão da Advocacia-Geral da União de 2010 que proíbe a venda de terras à estrangeiros. Ora, um ano após o anúncio da “Ponte para o futuro”, programa idealizado e anunciado pelo então “vice decorativo”, o agora “presidente contraditório” vai de MP em MP, de PEC em PEC, levando o Brasil para o passado, na tentativa de solucionar problemas do presente e do futuro.
Embora o acordo firmado pelo Brasil na COP-21 se mostrara audacioso e progressista, nos permitindo acreditar que poderíamos ser protagonistas na resolução dos problemas climáticos do mundo, na prática, as emendas inseridas silenciosamente na MP escancaram as multifaces de Temer e sua inclinação para a arte cinematográfica. Imitando os filmes da trilogia de Jason Bourne – “A identidade Bourne”, “A supremacia Bourne” e “O Ultimato Bourne” –, Michel Temer já lançou dois títulos de sua trilogia: “O golpe Temer” e “A contradição Temer”. Pelos acontecimentos políticos dessa semana, o terceiro filme deverá ser lançado em breve. Imaginem o título!
A “Casa Comum” urge por um tempo de coerências! Nas palavras de Francisco, “hoje, não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres”. (Laudato Si. 49). Não há mais o que temer. Esta (re)conciliação é urgente!
* Pedro Lima Junior é pai do Pi e esposo da Si. É historiador, cientista da religião, professor, inaciano, atleticano e gosta de escrever informalmente no blog http://pedrolimajr.tumblr.com/. Colabora agora no site Dom Total.
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