domtotal.com
Livros podem provocar as reações mais inesperadas em você, afinal, são sedutores.
Os livros gostam mesmo é do toque das mãos e do olhar de quem saboreia suas formas.
Pablo Pires Fernandes*
A vantagem de amar livros é que podemos desfrutar de infinitos amantes. Eles não carregam a tradição da monogamia, nem cobram fidelidade. Desde que você não o guarde na estante, sem dedicar a eles qualquer atenção, não ficam enciumados se tiver um caso com outro. Ao contrário, se contentam quando sua cabeça promove encontros entre personagens, autores, ideias filosóficas, histórias, porque assim se mantêm vivos.
Os livros gostam mesmo é do toque das mãos e do olhar de quem saboreia suas formas e sabe apreciar seu conteúdo. Atentos, eles observam se você sorri ou franze a sobrancelha em determinadas passagens. Como qualquer amante, se deliciam ao proporcionar prazer e se regozijam com a intensidade da troca.
Nessa promiscuidade de letras, imagens e palavras que criam sentidos e transformam relações, nascem amores que podem ser manifestos das mais variadas formas e grandezas.
Alguns são efêmeros e, poucas semanas depois, você constata que era apenas uma paixão fugaz. O tempo se encarrega de apagar aquela memória. Outros são tão intensos que, mesmo diante de um flerte, são bruscamente interrompidos: “Ainda não estou preparado para esse amor”, você pensa. O que é justo, cada amor livresco tem seu tempo.
Uns se insinuam descaradamente. Nas estantes das livrarias ou nas bancas de promoção, exibem cores, formas, texturas de pele, enfim, qualidades que alimentam sua imaginação. Se acontece de você não resistir àquele jogo de sedução é porque o livro lhe diz respeito. Alguma memória, desejo ou interesse guardado o leva até ele. São incógnitas, mas algo dentro de você foi tocado. Você sabe que amor é um jogo.
Há amores dramáticos, claro. Fazem você chorar ou rir copiosamente. Alguns livros têm a capacidade de tirar você do sério, para o bem ou para o mal. Nessas entregas amorosas, sempre há momentos em que você acaba sendo levado a ter que discutir a relação. É natural, relações afetivas promovem reflexões.
A provocação é boa, mesmo que, na maioria das vezes, você não saiba onde vai chegar. Pode lhe parecer estranho que se encontre divagando sobre metafísica, reconsiderando uma característica peculiar da história do país. Você pode se sentir tenso diante de uma aventura, desnorteado a respeito do desfecho daquela afeição ou criar expectativas – o que é inevitável quando se trata de amor. Você é capaz de se surpreender enamorado por personagens e dedicar empenho em mudar seu destino, mas ele já está escrito.
Certos amores, porém, se manifestam de maneira recorrente. São aqueles que deixam impressas marcas (ou ex libris), como uma tatuagem em seu corpo. Você não tem muito a fazer, é melhor admitir que foi fisgado. Esses amores, caso não saiba, vão sussurrar na sua mesa de cabeceira, acompanhar-lhe na cama durante as noites insones e lhe confortar nos momentos de vazio. Sim, esses são companheiros para a vida toda.
*Pablo Pires Fernandes é jornalista, subeditor do caderno de Cultura do Estado de Minas e responsável pelo caderno Pensar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário