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É preciso atitude e é preciso que esta atitude se traduza em ações concretas.
Basta fazer o básico para fazer a diferença.
José Antônio de Sousa Neto*
Caros leitores muito se têm debatido no país a respeito das questões éticas relacionadas ao mundo político e ao ambiente empresarial. A consciência a respeito destes desafios é o primeiro passo assim como, em muitas situações, o reconhecimento por parte de um indivíduo de suas faltas é o passo essencial para o início da solução dos problemas. Mas soluções não podem evidentemente permanecer no campo das ideias. É preciso atitude e é preciso que esta atitude se traduza em ações concretas. Um exemplo disso são as dez medidas anticorrupção propostas pelo Ministério Público Federal, ora sob análise pelo Congresso Nacional, e que recebeu o apoio formal materializado através das assinaturas de mais de dois milhões de cidadãos brasileiros.
Já comentamos aqui neste espaço a respeito da importância da governança coorporativa e dos sistemas de compliance / integridade para o funcionamento das organizações. Gostaria agora de compartilhar com vocês neste texto algumas atitudes e ações de caráter prático no âmbito do mundo empresarial. Minhas considerações aqui são baseadas em um treinamento realizado para duas empresas de engenharia, uma brasileira e outra estrangeira, que tinham interesse na consolidação de uma parceria estratégica no país para o desenvolvimento de infraestrutura social; basicamente a construção de hospitais e escolas sob o conceito de PPPs (Parcerias Público Privadas). Não resta dúvida que para um processo virtuoso de criação de riqueza uma prática ética é (ou certamente deveria ser) o objetivo coletivo do ambiente empresarial internacional.
A grande maioria dos países tem alguma forma de lei doméstica de combate ao suborno. É importante que todos os empregados das empresas de engenharia cumpram com as leis aplicáveis nos países em que operam, incluindo lei doméstica de combate ao suborno. Além de leis locais, existem convenções internacionais que tratam da questão da corrupção, tais como:
Convenção Inter-Americana de Combate à Corrupção (Inter-American Convention Against Corruption) (1996)
Convenção sobre a Corrupção (Convention on Corruption) da União Europeia (UE) (1997)
A Convenção para a Organização de Cooperação Econômica e Desenvolvimento sobre o Combate ao Suborno de Oficiais em Operações Comerciais Internacionais (Organization for Economic Cooperation and Development Convention on Combating Bribery of Officials in International Business Transactions) de 1998 (a “Convenção OECD”)
Convenção do Conselho da Legislação Criminal Europeia sobre a Corrupção (Council of Europe Criminal Law Convention on Corruption) (2002)
Convenção da ONU contra a Corrupção (UN Convention Against Corruption) (2005)
A Convenção das Nações Unidas sobre Suborno (United Nations Convention on Bribery) de 2005
Essas convenções são similares à Lei de Práticas Corruptas Estrangeiras (Foreign Corrupt Practices Act, the “FCPA”) dos Estados Unidos e a Lei Contra Subornos (Bribery Act) do Reino Unido (a “Lei Contra Subornos do RU”).
Existem evidentemente várias formas de suborno e é necessário ter em mente que ele pode vir em formas muito além do dinheiro diretamente. De uma maneira simples, prática e objetiva a empresa estrangeira internacional mencionada anteriormente (não explicitamos o nome para manter a privacidade / confidencialidade da mesma) que opera no setor de infraestrutura, por exemplo, procura sempre chamar a atenção de potenciais empresas de engenharia parceiras para o fato de que suborno também pode ser caracterizado por outras coisas de valor tais como:
Presentes
Entretenimento
Pagamento ou reembolso de despesas de viagem
Doação beneficente ou contribuição social
Descontos em produtos e serviços não disponíveis prontamente ao público
Oferta de emprego para um funcionário ou um parente de funcionário
Promessa ou presunção de pagamento ou perdão de dívida
Favores pessoais e auxílios das mais diversas naturezas
Favores e / ou benefícios para amigos e parentes
Empréstimos a taxas de juros favoráveis
Caros leitores vejam que a devida educação e conscientização com relação a estas ações não tem nada de extraordinário. São atitudes e valores básicos que devem fazer parte da cultura empresarial e que devem fazer parte da educação dos engenheiros a partir de sua escola de formação! Aqui, no entanto, peço permissão ao leitor para divagar um pouco antes de retornar a linha central do texto. Vocês já repararam como em grande medida diversos benefícios que são concedidos a diversas castas do funcionalismo público no país em sua essência são “parecidos” com a lista acima? Vejam que aqui não estou falando de ilegalidade, mas de ética e moralidade. Pouquíssimos, no entanto, estão dispostos a ver as travas nos próprios olhos. Vamos um pouco mais adiante. Vocês já viram quantas pessoas em posição de poder no setor público batem no peito para dizer que não tem dinheiro no banco e que são “modestas” e “austeras”? “Modestas”, mas se perpetuam em palácios e repartições com serviçais às dezenas e vivendo décadas como nobres ricos. De fato estes benefícios indiretos atenuam muito a necessidade de muito dinheiro nos bancos (o que não significa que não o tenham!), não é mesmo? Sem contar, entre inúmeros exemplos, no caso dos políticos, a possibilidade de receber benefícios de fundos partidários, sabe-se lá por quais mecanismos e aonde! Aqui sim estamos falando de potenciais ilegalidades e corrupção...Também não é preciso dizer quem no final das contas paga esta conta, não é...?
Voltemos à linha central do texto Nos termos da FCPA americana o pagamento de pequenas quantias para acelerar ou assegurar a realização de certas rotinas, funções governamentais não discricionárias, pode ser, em algumas situações, permitido desde que adequadamente registrado nos livros e registros financeiros apropriados. . Esses pagamentos são conhecidos como gorjeta, caixinha ou pagamentos “facilitadores”. Estes “Pagamentos Facilitadores” são tipicamente pequenas quantias pagas a funcionários públicos de nível inferior para:
Acelerar o movimento de bens ou equipamentos;
Obter permissões, licenças, e vistos de trabalho; ou
Obter serviços públicos necessários, tais como o processamento de documentos públicos.
Entretanto, em muitos países é ilegal realizar Pagamentos Facilitadores nos termos da lei local e não é permitido nos termos de algumas convenções multinacionais de combate à corrupção e da Lei Contra Subornos do Reino Unido. Mesmo onde não for ilegal é evidente que aqui se caminha por uma zona cinzenta e de alto risco. De toda forma isto tem de ficar devidamente registrado nos documentos dos projetos e na contabilidade. Claro que o que estamos nos referindo aqui não tem nada a ver com o “Departamento de Operações Estruturadas” recentemente descoberto pela operação Lava Jato em uma grande empresa do setor de infraestrutura brasileira e que, ao que tudo indica até o momento, é outro tipo bem mais grave de “pagamentos facilitadores”...
As leis anticorrupção mais avançadas também proíbem a concessão de suborno a pessoas que não sejam funcionários públicos, se o objetivo for obter ou manter negócios. Este tipo de suborno é comumente referido como “suborno comercial”. No contexto da cadeia de valor e da cadeia produtiva do setor de infraestrutura este não é um ponto menor embora frequentemente subestimado. Importante também ressaltar que as empresas de engenharia devem ter ciência do fato que elas podem ser responsáveis por subornos pagos por qualquer pessoa ou empresa agindo em seu nome caso estas tenham conhecimento prévio sobre ou deveria razoavelmente ter conhecimento sobre o suborno. Se as circunstâncias indicarem que as empresas desconhecem a conduta que violou as disposições de combate ao suborno da FCPA americana, por exemplo, as empresas assim como os seus empregados podem ser considerados como se tivessem conhecimento sobre a conduta ilegal.
Finalmente muita atenção deve ser dada às questões relacionadas a doações beneficentes e contribuições à comunidade para que não haja desvirtuamento. Em projetos de engenharia com longos ciclos de vida e com grande e direto impacto social e comunitário isto requer particular cuidado. Para encerrar algumas dicas repassadas aos seus funcionários durante o treinamento sobre compliance e corrupção pelas duas empresas de engenharia mencionadas no início deste texto e que tomo aqui a liberdade de reproduzir. Com relação a presentes, refeições, viagens e entretenimento fornecidos a funcionários públicos as empresas de engenharia devem sempre:
cumprir com quaisquer leis locais ou políticas empresariais aplicáveis ao funcionário público;
ser transparentes, e empregados não devem permitir que ninguém esconda os fatos;
ocorrer de maneira a evitar qualquer aparência de impropriedade;
deve ser contabilizada de maneira correta e precisa nos livros e registros financeiros;
não ser extravagantes ou luxuosos;
não impor um senso de obrigação sobre o beneficiário;
não ser a qualquer pessoa ou entidade envolvida em processo competitivo de licitação ou negociação de contrato para projeto que estejamos perseguindo; e
um presente em dinheiro ou equivalente (ex. empréstimos, títulos, e opções) nunca é apropriado.
Vejam que não há aqui nenhum mistério ou “mirabolancia”. Basta fazer o básico para fazer a diferença. Importante que as empresas de engenharia percebam, no entanto, que com uma sociedade com acesso cada vez maior a dados, informação e por consequência transparência, isto passa a ser uma questão de sobrevivência empresarial. Penalidades e multas podem ser devastadoras. Ah, e certamente os profissionais de engenharia que estiverem neste contexto também serão inevitavelmente chamados a prestar contas. Melhor pensar como engenheiro, ser racional e fazer o básico com rigor e esmero!
*José Antônio de Sousa Neto: Professor da Escola de Engenharia de Minas Gerais (EMGE). PhD em Accounting and Finance pela University of Birmingham no Reino Unido
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