domtotal.com
Durante muito tempo frequentei bibliotecas e aos poucos fui fazendo o meu próprio acervo.
Meu Google pessoal e analógico chegou a ter quatro mil volumes.
Por Max Velati
Na semana passada publiquei aqui a minha opinião sobre as “revoluções” pedagógicas idealizadas para tornar a Educação mais fácil no sentido de menos exigente. Para estabelecer meu ponto de vista contei a você, caro leitor, que larguei a escola antes de terminar o Segundo Grau e criei o meu próprio currículo, assumindo todos os riscos da minha própria formação. Recebi emails de conhecidos e desconhecidos pedindo mais informações sobre esta decisão.
O que posso dizer é que este tipo de projeto de vida não é talhado para qualquer pessoa e não se aplica a qualquer tipo de formação. No meu caso, minha opção desde cedo pela Literatura permitia este tipo de independência. O mesmo não acontece com quem sonha com a Medicina ou a Engenharia. Também é preciso ter em mente a insegurança, a falta de status social por não ter um diploma e as oportunidades profissionais perdidas quando é preciso algum tipo de comprovação formal. Eu sabia de tudo isso quando me afastei da escola. Sabia também que teria que estudar mais do que o mais esforçado dos estudantes. Sabia, por fim, que este tipo de formação não acaba nunca.
Durante muito tempo frequentei bibliotecas e aos poucos fui fazendo o meu próprio acervo, gastando nisso muitas vezes o dinheiro do básico, do essencial, como comida, por exemplo. Meu Google pessoal e analógico chegou a ter quatro mil volumes. Mudanças de residência e decisões estúpidas na vida reduziram minha biblioteca a menos de mil e hoje estou na casa dos dois mil, mas crescendo.
Sobre a discussão da escola sem partido ou com partido, tema que gerou a coluna da semana passada, penso ser oportuno contar a você sobre uma etapa importante da minha formação pessoal, longe da escola formal.
Eu tinha dezessete anos e morava sozinho no Rio de Janeiro. Perambulando por Copacabana encontrei no Posto 6 uma loja de brasões de família e móveis medievais. O dono era um senhor muito distinto, obviamente estrangeiro, mas com excelente português. A loja estava vazia e ele puxou conversa, mesmo sabendo que eu não tinha condições de comprar nada. Depois de uma hora de uma conversa rica e polida, ele disse que estava impressionado com os meus conhecimentos de História em geral e Medieval em particular. Minha performance não era obra do acaso, já que História Medieval era um tema de destaque na minha universidade particular. O fato é que ele acabou me contratando como assistente e durante quase dois anos desenhei móveis e fiz pesquisas de heráldica para viver, mas muito mais importante do que isso, tive um grande professor também autodidata.
Frank falava (bem!) sete idiomas e se virava bem em mais dois ou três. Tinha uma história de vida riquíssima e dividiu comigo o que sabia sobre qualquer tema que fosse do meu interesse. Era hábito trabalharmos discutindo assuntos de História e Filosofia e um dos exercícios mais interessantes, que deixaria os adeptos da “nova” pedagogia com cabelos em pé, era o seguinte:
- Max, hoje o tema é pena de morte - dizia ele - e você é contra e eu a favor.
No dia seguinte:
- Max, o tema outra vez é pena de morte - dizia - mas hoje você é a favor e eu contra.
Foi assim que ele me ajudou a educar o raciocínio para avaliar honestamente e com toda a isenção possível todos os lados de uma questão. Frank nunca me disse qual deveria ser a minha opinião, mas deixava o caminho aberto para que eu mesmo encontrasse a melhor direção.
Muito obrigado, Frank Keller!
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é professor de esgrima e chargista de Economia da Folha de S. Paulo. Publica no Dom Total toda sexta feira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário