sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Vai e reconstrói a minha Igreja

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Cardeal Hummes disse ao Papa recém eleito: 'não te esqueças dos pobres'.
Igreja da Porcíuncula reconstruída por Francisco em 1207 ou 1208.
Igreja da Porcíuncula reconstruída por Francisco em 1207 ou 1208.

Por Manoel Godoy* 

São Francisco estava em oração na Igreja de São Damião, lá pelos idos de 1205, quando lhe pareceu ouvir uma voz que saía de um crucifixo detrás do altar. Por três vezes seguidas a voz lhe dizia: “Francisco, vai e reconstrói a minha igreja-casa que, como vês, está ruindo”. Em um primeiro momento, Francisco pensou que se tratava da reforma da pequena capela, que estava mesmo em situação deplorável. Mais tarde, entenderá que era preciso outro tipo de reforma mais difícil, mais longa e mais profunda.

Francisco vivia em uma época conturbada para a Igreja. O Papa Inocêncio III, eleito com apenas 38 anos, servia-se das cruzadas para restaurar o prestígio da Igreja. Convocou o IV Concílio de Latrão, quando se firmaram os principais dogmas da fé, tornando a Igreja uma estrutura rígida e pesada.  Embora não aceitasse o estilo de vida de Francisco, não o importunou, aprovou as regras do primeiro núcleo franciscano somente de boca, o que foi feito oficialmente com o próximo Papa, Honório III. Francisco viveu nos tempos das cruzadas e tomou outro caminho para atender a voz que tinha ouvido do crucifixo: Vai e reconstrói a minha Igreja!

Das cruzadas só restou o lamento histórico pelo equívoco da Igreja; de Francisco, temos o grande testemunho de vida, que continua alimentando inúmeras pessoas, dentro e fora da Igreja.

Quando estava no leito de morte, disseram-lhe que teria apenas uma semana de vida e ele exclamou: “Bem-vinda, irmã morte!” Morreu em outubro de 1226, com menos de 45 anos de idade, e foi canonizado apenas dois anos após sua morte. Devido ao seu amor a todas as criaturas, sobretudo aos pobres e enfermos, tornou-se o patrono universal da ecologia.

De Francisco a Francisco

Quando o Papa Francisco explicou aos jornalistas o porquê da escolha do nome do Santo de Assis para acompanhá-lo no ministério de Bispo de Roma e pastor universal da Igreja, afirmou: “O meu grande amigo cardeal Hummes que estava ao pé de mim e aos dois terços (dos votos) houve o aplauso e ele abraçou-me e beijou-me e disse-me ‘não te esqueças dos pobres’”, disse Francisco. “Para mim, Francisco é o homem da pobreza, da paz, que ama e guarda a criação. Neste momento, infelizmente, não temos uma relação tão boa com a natureza, com a criação. Como eu gostaria de uma Igreja pobre, como eu gostaria de uma Igreja junto aos pobres”.

Em pouco mais de três anos de pontificado, o Papa Francisco tem honrado o nome que escolheu por meio de gestos, estilo de vida e palavras. Parece que ele continua a ouvir o pedido do Cristo crucificado: “Francisco, vai e reconstrói a minha igreja-casa que, como vês, está ruindo”.

De fato, o Papa Francisco precisou empreender outro tipo de cruzada para recuperar o prestígio da Igreja, que estava envolvida com escândalos financeiros e morais. Impressionante como ele, apesar destes problemas, não perdeu o foco principal da reforma da Igreja: voltar a Jesus e ao seu Evangelho, como anúncio da Boa-Nova, sobretudo aos pobres.

Na sua primeira entrevista de fundo após seis meses como Papa, Francisco declara que a Igreja Católica se tornou “obcecada” com os temas do aborto, do casamento homossexual e da contracepção. Sem minimizar a questão moral, ele tem focado a missão da Igreja na pedagogia da inclusão, do encontro e da proximidade, sobretudo com os que se sentem excluídos do afeto eclesial.

Falando aos tradicionalistas, o Papa Francisco foi enfático: “A visão dos que procuram soluções disciplinares, que dão excessiva importância em resguardar a doutrina e estão obcecados em trazer de volta um passado que já lá vai, é estática e regressiva”. Ele é movido por uma certeza inconfundível: “Deus está presente na vida de todas as pessoas, mesmo se essa vida tiver sido destruída por maus hábitos, por drogas, ou seja o que for”.

A reconstrução da Igreja precisa realmente de coragem como a do Papa Francisco, que é muito mais aceito pelos de fora da instituição. Mas ele vai traçando rumos definitivos na reforma da Igreja, pois tem o Evangelho como sua regra, da mesma forma que São Francisco.

Amor aos pobres e à natureza tem pautado o pontificado de Francisco, que tem uma visão de Igreja profundamente marcada pela misericórdia e inclusão de todos. Assim se entende quando ele afirma: “Eu vejo a Igreja como um hospital de campanha após uma batalha. É inútil perguntar a um ferido grave se tem colesterol e glicose altos. É preciso curar as feridas. Depois se poderá falar de todo o restante”.

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* Manoel Godoy, mestre em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Professor no Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA).

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