sábado, 5 de novembro de 2016

“Não é humano fechar as portas aos refugiados, mas é preciso prudência para integrá-los bem”

ANDREA TORNIELLI*

O Papa aos jornalistas no voo Malmö-Roma

A conferência de imprensa do papa Francisco durante o voo Malmö-Roma: “Paga-se politicamente a imprudência nos cálculos” sobre quantos receber, que não permite oferecer casa, escola e trabalho. O elogio aos oratórios e ao voluntariado na Itália, nascidos “do zelo apostólico dos párocos”. Reiterado o não à ordenação de mulheres
“Não é humano fechar as portas e o coração aos refugiados”, mas também é preciso prudência para acolher tantos quantos podem ser realmente integrados oferecendo a eles casa, escola e trabalho. Disse-o o papa Francisco dialogando com os jornalistas no voo de Malmö para Roma. “Gostaria de cumprimentá-los e agradecer pelo trabalho que fizeram – disse Francisco no início – pelo frio que pegaram. Mas saímos a tempo, dizem que hoje à noite [a temperatura] desce mais cinco graus”.

Sempre mais pessoas buscam refúgio nos países europeus mas há reações de medo. Há quem diga que os refugiados podem ameaçar a identidade e o cristianismo na Europa. Também a Suécia começa a fechar as fronteiras …
“Como argentino e sul-americano agradeço muito à Suécia por esta hospitalidade, porque muitos argentinos, chilenos, uruguaios, no tempo das ditaduras militares, foram acolhidos aqui. [A Suécia] tem uma longa tradição de hospitalidade e não apenas em receber, mas também em integrar, em procurar de imediato casa, escola, trabalho [para eles]. Integrar num povo. Talvez esteja errado, não tenho certeza, mas a Suécia tem 9 milhões de habitantes e 850 mil seriam “novos suecos”, ou seja, migrantes ou refugiados. Ou filhos deles.
Deve-se fazer distinção entre migrante e refugiado.
O migrante deve ser tratado segundo certas regras, por que migrar é um direito mas é muito regulamentado.
Ao contrário o refugiado vem de situações de angústia, fome, guerra terrível e seu status precisa de mais cuidado e mais trabalho.

Nisto também a Suécia sempre deu um exemplo no dar moradia, no fazer aprender a língua, e também no integrar na cultura. Sobre a integração das culturas: não devemos assustar-nos; a Europa foi feita com uma integração contínua de culturas. O que eu penso dos países que fecham as fronteiras? Creio que, em teoria, não se pode fechar o coração a um refugiado. Há também a prudência dos governantes, que devem estar muito abertos para recebê-los, mas também calcular como acomodá-los, porque não se deve só receber um refugiado, mas integrá-lo.
Se um país tem uma capacidade de integração, faça o que pode. Se outro tem mais, faça mais, sempre com o coração aberto. Não é humano fechar as portas, não é humano fechar o coração e, a longo prazo, isto paga-se, paga-se politicamente, assim como se paga politicamente uma imprudência nos cálculos, recebendo mais do que os que se podem integrar.
Qual é o risco, se um migrante ou refugiado não é integrado? Ele se ‘guetiza’! Ele entra num gueto, e uma cultura que não se desenvolve numa relação com outra cultura entra em conflito, e isso é perigoso. Acho que o pior conselheiro para os países que tendem a fechar as fronteiras é o medo. E o melhor conselheiro a prudência.
Falei com um funcionário do governo sueco e ele estava me falando de algumas dificuldades porque chegam muitos e não se consegue acomodá-los a tempo, e encontrar escola, casa, trabalho. A prudência deve fazer este cálculo. Eu creio que se a Suécia diminui a sua capacidade de acolhimento, não o faz por egoísmo; se há algo do gênero, é por isso que eu disse … olham para a Suécia, mas não há tempo para acomodar a todos”.
A Suécia tem uma mulher na chefia da sua Igreja. É realista pensar em mulheres ordenadas também na Igreja Católica?
“Lendo um pouco da história desta região, onde estivemos, eu vi que houve uma rainha que ficou viúva três vezes e eu disse: esta mulher é forte. Disseram-me: as mulheres suecas são muito fortes e muito corajosas … Sobre as mulheres ordenadas: a última palavra é clara e foi dita por João Paulo II. E assim continua. Mas as mulheres podem fazer muitas coisas melhor do que os homens.
A eclesiologia católica tem duas dimensões. A dimensão petrina, a dos apóstolos, de Pedro e do colégio, dos bispos; e a dimensão mariana, o que é a dimensão feminina da Igreja. Quem é mais importante na teologia e na mística da Igreja? Os apóstolos ou Maria? É Maria, a Igreja é mulher. A Igreja esposa de Jesus Cristo. É um mistério nupcial e à luz deste mistério entende-se a razão destas duas dimensões. Não há Igreja sem esta dimensão feminina”.

Nunca haverá mulheres ordenadas?
“Se ler corretamente, a declaração de João Paulo II vai nessa linha”.

Na vigília de Pentecostes de 2017, haverá um encontro no Circo Máximo no aniversário da Renovação Carismática. O que o senhor espera?
“Estive com os evangélicos em Caserta, e depois com os Valdenses em Turim: estas são iniciativas de reparação, de perdão, porque os católicos, parte da Igreja católica, não se comportou de maneira cristã com eles. Era preciso pedir perdão e curar feridas. A outra iniciativa é a do diálogo. Em Buenos Aires, tivemos três encontros no estádio com fiéis evangélicos e católicos, na linha da renovação carismática, mas aberta. Encontros que duravam o dia inteiro, durante os quais pregava um bispo evangélico e um bispo católico. Em dois destes encontros pregou o padre Cantalamessa.
Também tivemos dois retiros espirituais de três dias, com pastores e padres católicos juntos. Isto ajudou muito o diálogo, a compreensão, a aproximação, o trabalho pelos necessitados. Em Roma já tive encontros com alguns pastores.  Está sendo organizada uma celebração do 50º aniversário da Renovação Carismática, que nasceu ecumênica. Se Deus me der vida, irei falar lá, no Circo Máximo.
Quando a Renovação Carismática surgiu, um dos opositores mais fortes foi quem vos está falando, que era provincial dos jesuítas: proibi os jesuítas se envolver nisto e disse que, quando havia uma celebração litúrgica devia ser uma celebração e não uma escola de samba. Agora penso o contrário e todos os anos em Buenos Aires eu celebrava uma missa para os carismáticos. Houve um processo de reconhecimento do bem que fez esta renovação, com a figura do Cardeal Suenens….”.

O senhor recebeu recentemente o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. Que sensação lhe deu este encontro e o que o senhor pensa do início do diálogo?
“O presidente da Venezuela pediu um encontro porque voltava do Oriente Médio e fazia uma parada técnica em Roma. Quando um presidente pede, é recebido. Eu escutei-o durante meia hora, fiz algumas perguntas e ouvi a sua opinião. É sempre bom ouvir a opinião de todos. O diálogo é o único caminho para todos os conflitos, ou se dialoga ou se grita. Não há outro caminho.
Com o coração eu me empenho ao máximo no diálogo, acho que se deve seguir por esse cominho, não sei como vai acabar … é complexo, mas as pessoas que estão [envolvidas] no diálogo são gente de nível político importante … Está presente Zapatero que era chefe do governo espanhol. Ambas as partes pediram à Santa Sé para estar presente. A Santa Sé designou o núncio na Argentina, Mons. Tscherrig. O diálogo que favorece a negociação é a única maneira de sair dos conflitos. Se isto tivesse sido feito no Oriente Médio, quantas vidas teriam sido poupadas”.

Na Suécia a secularização é muito forte. É um fenômeno que afeta a Europa, estima-se que na França a maioria dos cidadãos serão [pessoas] sem religião. A secularização é uma fatalidade? De quem é a responsabilidade, dos governo laicos ou a Igreja que é tímida?
“Fatalidade não, eu não acredito em fatalidades. Quem são os responsáveis? Não saberia dizer, é um processo. Bento XVI falou muito e de forma clara sobre isto. Quando a fé se torna morna é porque a Igreja se enfraquece. As épocas mais secularizadas – pensemos na França, por exemplo – são as da mundanidade, quando os padres eram lacaios da corte, havia um funcionalismo clerical, faltava a força do Evangelho.
Em tempos de secularização podemos dizer que há alguma fraqueza na evangelização. Mas há um outro processo, quando o homem recebe de Deus o mundo para fazê-lo cultura, para fazê-lo crescer. Mas a um certo ponto o homem sente-se tão dono daquela cultura que começa a fazer-se ele mesmo criador de uma outra cultura, mas a sua própria, e toma o lugar de Deus Criador. Na secularização eu creio que mais cedo ou mais tarde se chega ao pecado contra Deus Criador, o homem autossuficiente.
Não é uma questão de laicidade: é necessária uma laicidade sã, a autonomia saudável das ciências, do pensamento, da política. Outra coisa é um laicismo como o que nos deixou como herança o Iluminismo… Se se ultrapassam os limites e nos sentimos Deus, significa que há uma fraqueza na evangelização, os cristãos tornam-se mornos. É necessário retomar uma autonomia saudável no desenvolvimento da cultura e da ciência, mas com a consciência de sermos criaturas, não nos sentindo Deus.
O cardinal De Lubac disse que quando esta mundanidade entra na Igreja é ainda pior do que o que aconteceu na era dos Papas corruptos. Jesus, quando reza por todos nós na Última Ceia pede uma coisa ao Pai: não para nos tirar do mundo, mas para nos defender do mundo, da mundanidade, que é perigosíssima: uma secularização um pouco mascarada ou disfarçada, um pouco “prêt-à-porter”.

Há alguns dias atrás, o senhor encontrou-se com o Santa Marta Group que se ocupa de escravidão e tráfico de seres humanos. Por quê? O senhor fez experiências na Argentina?
“Como padre, eu sempre tive essa inquietação com a carne de Cristo, com o fato de que Cristo continua a sofrer, que Cristo é crucificado continuamente nos seus irmãos mais fracos. Isto sempre me comoveu. Eu trabalhei como padre em pequenas coisas, com os pobres, mas não exclusivamente, também trabalhei com universitários. Depois, como bispo de Buenos Aires, tomámos iniciativas contra a escravidão no trabalho, inclusive com grupos de não-católicos e não-crentes.
Os migrantes chegam e tomam-lhes os passaportes e submetem-nos a trabalho escravo. Trabalhei com duas congregações de irmãs que cuidam de prostitutas, mulheres escravas da prostituição (não gosto de dizer prostitutas, escravas de prostituição). Uma vez por ano fazíamos uma missa para estas mulheres ….
Trabalhávamos juntos e aqui na Itália há muitos grupos de voluntariado que trabalham contra todas as formas de escravidão. Há alguns meses atrás visitei uma dessas organizações. Trabalham bem, eu não sabia que isso acontecia. É uma coisa bonita que a Itália tem, o voluntariado e isso é devido aos párocos: o oratório e o voluntariado nasceram do zelo apostólico dos párocos”.

*Andrea Tornielli
Andrea Tornielli 1
Fonte: http://www.lastampa.it/2016/11/01/vaticaninsider/ita/vaticano/non-umano-chiudere-le-porte-e-cuore-ai-rifugiati-eUfP1fHcnsyPz820xkTeLP/pagina.html

http://www.padrescasados.org/archives/50977/nao-e-humano-fechar-as-portas-aos-refugiados-mas-e-preciso-prudencia-para-integra-los-bem/
Postado por MFPC - CEARÁ

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