quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Racismo: crime e blasfêmia

Racismo e preconceito negam a igual dignidade de todos os membros da família humana e são uma blasfêmia contra Deus.
Respeito pelas diferenças, fraternidade, solidariedade: consequêmicas morais trazidas pela fé cristã.
Respeito pelas diferenças, fraternidade, solidariedade: consequências morais trazidas pela fé cristã.

Na Semana da consciência negra, o Documento de Aparecida afirma que “conhecer os valores culturais, a história e as tradições dos afro-americanos, entrar em diálogo fraterno e respeitoso com eles, é um passo importante na missão evangelizadora da Igreja” (n.532).

Zumbi (aquele que estava morto e reviveu- dialeto imbagala) dos Palmares (1655-1694), líder quilombola martirizado no dia 20 de novembro de 1695, foi o principal representante da resistência negra à escravidão no Brasil. Do total de cerca de 11 milhões de africanos deportados e chegados vivos nas Américas, cerca de cinco milhões vieram para o território brasileiro num período de três séculos (1550-1856). Calcula-se que um milhão e meio de seres humanos morreram durante a travessia do Atlântico e que um número ainda maior teria falecido antes mesmo de embarcar. Mesmo após a promulgação da Lei Feijó em 1831 (para inglês ver), que proibia o tráfico de africanos para o Brasil, os negros continuaram sendo trazidos acorrentados em navios negreiros, com a bandeira brasileira hasteada. Traficantes brasileiros aliados aos grandes latifundiários atuavam sob a proteção do governo imperial, dos políticos e da polícia. Somente em 1888, depois de três séculos de horror, os negros foram libertados sem nenhuma indenização. O Brasil foi o último país das Américas a libertar os escravos. Esse genocídio, o maior da história, destruiu as bases econômicas e sociais do continente africano. O progresso econômico do Brasil Imperial se deve a esses milhões de seres humanos reduzidos à escravidão.

O Brasil tem a segunda população negra do mundo e, mesmo assim, tem uma sociedade racista. O racismo individual discrimina o negro individualmente. O racismo estrutural diz respeito à estrutura que discrimina nas diversas esferas sociais. O mito da democracia racial esconde as discriminações e os conflitos raciais, as restrições no mercado de trabalho, o acesso à moradia, o ingresso na universidade, o extermínio da juventude negra, a exclusão dos espaços de poder. Até dentro das Igrejas é perceptível o número reduzido de padres e religiosos negros. A discriminação racial presente na história da sociedade está também na história eclesial. João Pablo II pediu perdão pela cumplicidade da Igreja diante do tráfico de africanos e da escravidão (Discurso em Yaoundé, 13/081985).

O Pontifício Conselho Justiça e Paz publicou o documento Igreja ante o Racismo (1988). Vale a leitura. O texto constata que os preconceitos e atitudes racistas continuam prejudicando as relações entre as pessoas, grupos e nações. Racismo e preconceito são expressões do pecado original, negam a igual dignidade de todos os membros da família humana e são uma blasfêmia contra Deus. O cristianismo afirma vigorosamente a dignidade de cada pessoa criada à imagem de Deus, a unidade do gênero humano e a dinâmica da reconciliação realizada por Cristo. Todas as formas de discriminação seja social ou cultural, por motivos de sexo, raça, cor, condição social, língua ou religião deve ser eliminada, por ser contrária à vontade de Deus (Gaudium et spes, 29). Está em jogo a unidade da família humana: todos os seres humanos tem sua origem em Deus e estão destinados a formar uma só família. Toda a espécie humana é imagem de Deus (At 17, 28).

O Espírito reúne na unidade e enriquece na diversidade. A Igreja suplanta todo particularismo de raça. Os cristãos devem eliminar todas as formas de discriminação racial, étnica, nacional o cultural. A fé cristã traz sérias consequências morais que podem ser resumidas em três palavras: respeito pelas diferenças, fraternidade, solidariedade. O documento exorta os cristãos a defender as vítimas do racismo em qualquer situação. Enfrentar as discriminações é uma exigência moral.

Racismo não é questão de opinião. Racismo é crime previsto em lei (n.7716, 05/01/1089). Racismo mata, exclui, adoece, oprime. No Documento de Aparecida “a Igreja denuncia a prática da discriminação e do racismo em suas diferentes expressões, pois ofende no mais profundo a dignidade humana criada a imagem e semelhança de Deus. Preocupa-nos que poucos afro-americanos cheguem à educação superior, sem a qual se torna mais difícil seu acesso às esferas de decisão na sociedade” (n.533). Ações afirmativas, como as cotas nas universidades, são fatores de correção de discriminações históricas e uma forma de quebrar o ciclo de exclusão dos afrodescendentes. Diferença não é sinônimo de inferioridade. Pensar que uma pessoa é melhor que a outra por causa da cor da pele é uma estupidez. Somos todos irmãos. Ninguém nasce racista.

*Élio Gasda: Doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

*O DomTotal é mantido pelas instituições de ensino Dom Helder Escola de Direito e Escola de Engenharia de Minas Gerais (EMGE). Saiba mais!

Nenhum comentário:

Postar um comentário