quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

A miopia da hegemonia

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Se entendem que seus interesses foram contrariados, ameaçam meio mundo com a vingança e o dies irae.
As hegemonias mais perigosas são justamente as mais bem sucedidas
As hegemonias mais perigosas são justamente as mais bem sucedidas (Reuters)
Por Luís Giffoni*

As hegemonias, como as unanimidades, são burras. E míopes.

Burras porque, para se perpetuar, abusam das armas disponíveis para eliminar pontos de vista ou culturas diferentes. Às vezes, até admitem alguma influência externa ou de um grupo minoritário, desde que possam absorvê-la sem comprometimento ou mudança de rumo. Usam a benevolência de ocasião para se promover.

As hegemonias assumem o papel de gendarmes do bem, paladinas da paz, reservando o papel do demônio às vozes dissonantes. Esbanjam talento para demonizar os desafetos. Julgam-se defensoras da justiça e a distribuem de acordo com o interesse e a conveniência da hora, sem se importar com a coerência de seus atos.

Como tudo que é humano, as hegemonias um dia terminam. As mais perigosas são justamente as mais bem sucedidas, aquelas que se impuseram de modo mais amplo. Quando desabam, e sempre acabam desabando, deixam um vazio de opções e, em seu rastro, a desorientação ou o caos. Um exemplo trágico é o de Roma. Após sua queda, o Ocidente ficou estagnado durante séculos e, em determinados lugares, como na Inglaterra, regrediu.

A civilização ocidental reencontrou o caminho, em boa parte, graças aos muçulmanos que mantiveram, recuperaram, reproduziram e reintroduziram na Europa textos ali banidos ou queimados, oriundos das antigas Grécia e Roma. Da liberdade de expressão greco-romana, surgiu o Renascimento.

As hegemonias são míopes, porque não enxergam um metro além do quintal. Acreditam que a vida de um de seus cidadãos equivale à de dez dos estrangeiros – ou mil, como se depreende dos discursos mais inflamados. Condenam o assassinato de seus próprios inocentes, porém matam inocentes alhures e, com cinismo, propalam que distribuem a morte com justiça.  Bombardeiam sem escrúpulos e, ao matar civis, pedem desculpas protocolares, como se desculpas trouxessem vidas de volta.

Se entendem que seus interesses foram contrariados, ameaçam meio mundo com a vingança e o dies irae. Ignoram decisões de fóruns mundiais que desagradam ou condenam seus aliados, porém efetivam, a toque de caixa, as que atingem os desafetos. Planejam construir muros na fronteira com vizinhos e querem que os vizinhos paguem pela obra. Quem não está a favor está contra: de que prática democrática extraíram tamanha arrogância?

O senhor Trump parece, até agora, um bom aluno da escola da burrice e da miopia. Mas sempre resta uma esperança.

*Luís Giffoni tem 25 livros publicados. Recebeu diversas premiações como do Prêmio Jabuti de Romance, da APCA - Associação Paulista de Críticos de Arte, Prêmio Minas de Cultura, Prêmio Nacional de Romance Cidade de Belo Horizonte.

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