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A pergunta é em Castro Alves, feita novamente: Deus! ó Deus! Onde estás que não respondes?
Nem nas igrejas das cidades tenho mais lugar (Divulgação)
Por Pedro Lima Junior*
Quando ainda estava na escola como estudante, as professoras de Português e de Redação pediam dois exercícios de técnica de escrita que eu adorava. Mais comum no Ensino Fundamental, um desses exercícios era o de parafrasear poemas. Já no Ensino Médio, a professora de Redação, de vez em quando, pedia para dar continuidade a um conto ou uma crônica. Dessas atividades eu ainda guardo comigo a continuação de contos de Lygia Fagundes Telles, Machado de Assis e Drummond. As paráfrases de poemas, infelizmente, se perderam no tempo.
No artigo de hoje resolvi fazer novamente este exercício escolar. Neste tempo em que o contraditório Projeto da Escola Sem Partido busca silenciar a liberdade criativa e crítica das próximas gerações de estudantes, relembro, de maneira simples, as atividades que me despertaram para as primeiras narrativas sócio-políticas. Deixo de lado o rigorismo acadêmico do qual somos obrigados, e que é necessário nesses ambientes, e navegarei pelas águas da criatividade, recordando aquele estudante cheio de utopias, de críticas sociais, políticas e religiosas, e de perene sonho de um outro mundo possível.
O poema que usarei é Vozes D’África (1868) de Castro Alves, conhecido como o “Poeta dos Escravos” por usar sua escrita no combate à escravidão e racismo, status quo defendidos pela elite e grupos dominantes da época. O poeta e escritor desempenhou, através da literatura, um papel de questionador dos valores, até então, tidos como indiscutíveis. Não entrarei aqui no mérito da escola literária que ele pertenceu, em análises do poema, de discurso, etc. O objetivo aqui é outro e menos pretencioso.
Parafraseando com o tempo presente, que, infelizmente, não conseguiu extirpar a praga do racismo e do preconceito; onde Coronéis batem o pé e fazem das instituições seus palácios de mordomias; onde poderosos realizam conluios para perpetuarem seus privilégios em detrimento do povo trabalhador; onde igrejas são invadidas e usadas como fortalezas por uma PM covarde que joga bombas contra o “povo de Deus”, o mesmo povo no qual são chamados a defender: tanto a Igreja como o Estado; e tantas outras atrocidades que especialmente neste ano de 2016 surgem a cada dia; a pergunta é em Castro Alves, feita novamente: Deus! ó Deus! Onde estás que não respondes?
Abaixo segue a paráfrase. O que está entre aspas é o texto original de Castro Alves, no qual é intercalado com versos meus. Não usei o poema inteiro, somente algumas estrofes. Como dito acima, a simplicidade das palavras é proposital. Como um estudante que sempre serei – apesar de hoje ser professor –, escrevo algo que possa ser entendido tanto por um doutor, quanto por um operário, um estudante secundarista, um agricultor, um trabalhador...
Boa leitura!
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“Deus! ó Deus! Onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...”
Qual PEC 287 tu me prendeste até a ocaso
Feito por políticos que já estão aposentados
_ Infinito: fábricas, salas de aula, serviços gerais, empregados...
Por tucanos – e toda espécie de ave de rapina, serpentes e ratos
A CLT de Vargas – foi a corrente
Que um dia servia de segurança p’ra toda gente.
“Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada
Em meio das areias esgarrada,
Perdida marcho em vão!
Se choro... bebe o pranto a areia ardente;
Talvez... p'ra que meu pranto, ó Deus clemente!
Não descubras no chão...”
Nem nas igrejas das cidades tenho mais lugar
Dentro delas estão os assassinos armados de bombas a me atirar
Profanos – do lado de fora – somos nós a lutar...
“Elevo meus olhos para os montes; de onde vem o meu socorro?”
Embalde aos cinco séculos de Brasil eu grito:
Abriga-me, Senhor!
“Não basta inda de dor, ó Deus terrível?!
É, pois, teu peito eterno, inexaurível
De vingança e rancor?...
E que é que fiz, Senhor? Que torvo crime
Eu cometi jamais que assim me oprime
Teu gládio vingador?!”
Vi a promessa invadir as senzalas do novo século
Vi meu povo votar no político maldito
Arrogando-se empresário, apolítico
Se dizendo próximos daqueles que eles têm mais asco.
Arrancando, agora, seus direitos de estudo, trabalho e descanso.
“Cristo! embalde morreste sobre um monte
Teu sangue não lavou de minha fronte
A mancha original.
Ainda hoje são, por fado adverso,
Meus filhos — alimária do universo,
Eu — pasto universal...”
Hoje (e sempre) meu sangue brasileiro – índio, africano e lusitano
É sugado por coronéis que rasgam a Constituição
Homens da escravidão
Se juntaram às supremas cortes... traidores
À canalhice Calheiros e de vis irmãos
Deixando ridicularizadas instituições e desprezada uma nação.
“Basta, Senhor! De teu potente braço
Role através dos astros e do espaço
Perdão p'ra os crimes meus!
Há dois mil anos eu soluço um grito...
Escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus! Senhor, meu Deus!!...”
*Pedro Lima Junior é pai do Pi e esposo da Si. É historiador, cientista da religião, professor, inaciano, atleticano e gosta de escrever informalmente no blog http://pedrolimajr.tumblr.com/. Colabora agora no site Dom Total.
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