domtotal.com
Apesar de prestarem muitos serviços nas comunidades, participação das mulheres nas instancias decisórias da Igreja é nula.
Não haverá espaço para as mulheres em uma Igreja governada exclusivamente por homens. (Divulgação)
Por Élio Gasda*
O Brasil é um país desigual, vergonhosamente desigual em muitos aspectos. Entre eles destaca-se a de gênero, ou seja, a dos papéis socialmente construídos, comportamentos e atributos determinados ao homem e à mulher. Gênero remete às instituições, estruturas e relações sociais e econômicas, políticas, religiosas e culturais. A violência física e sexual, por exemplo, são causadas por este tipo de desigualdade.
Os números comprovam. O Brasil ocupa a 5ª posição no ranking de assassinatos de mulheres. Nos quatro dias de carnaval, o disque 180 (Central de Atendimento à Mulher) registrou 2.132 queixas. No estado do Rio de Janeiro a Policia Militar, em cinco dias, registrou 2.154 casos de violência sexista. São 527 estupros por ano, 70% cometidos por parentes, namorados, amigos ou conhecidos (cf. Carta Capital nº 942/2017).
O desrespeito às mulheres se repete em outros campos. No mercado de trabalho existe um abismo revoltante. As mulheres têm salários em torno de 25 a 30% menores que o dos homens (Dieese), mesmo trabalhando em média 7,5 horas a mais que eles por semana (IPEA). A política é um retrato fiel dessa desigualdade. O Brasil tem quase 7 milhões de mulheres a mais que homens (IBGE), mas sua representação nas instâncias do poder é insignificante. Para piorar, o atual governo é fruto de um golpe contra a primeira mulher presidenta da história do país. Apenas duas mulheres integram o primeiro escalão deste governo ilegítimo, composto de 28 integrantes. O Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos foi extinto. As duas casas do Legislativo simbolizam o machismo da sociedade brasileira: Dos 513 deputados federais que ocupam a Câmara, 55 são mulheres. O país tem 81 senadores, apenas 5 são mulheres. Dos 26 Estados, apenas Roraima, é governado por uma mulher.
As mulheres também são maioria na Igreja. E também na Igreja elas são desrespeitadas de inúmeras formas. Apesar de prestarem muitos serviços nas comunidades, sua participação nas instancias decisórias é nula. Quem se beneficia desta situação? A negação do acesso da mulher ao ministério da ordem reflete a triste e obscura herança do patriarcalismo de antanho. Não haverá espaço para as mulheres em uma Igreja governada exclusivamente por homens.
Papa Francisco tem buscado resgatar o protagonismo da mulher. Sua afirmação de que “sem a mulher não há harmonia no mundo”, pode estender-se ao governo da Igreja. Pois a hierarquização por razões de gênero provoca a desarmonia e os desequilíbrios na vida eclesial. Neste sentido, entende-se o desabafo do Cardeal Oswald Gracias, arcebispo de Bombaim, presidente da Conferência Nacional dos Bispos Católicos da Índia e membro do conselho dos nove cardeais assessores de Francisco: “No início da história da Igreja, nos tempos de Jesus, não havia nenhuma discriminação: na mente de Nosso Senhor, cada um tem o seu papel, sem nem mesmo o menor vestígio de hierarquia. Foi apenas posteriormente que as coisas mudaram na Igreja: ao longo dos anos, de fato, as mulheres foram relegadas a papéis secundários. A mudança ocorreu porque a Igreja vive no mundo, e, assim, acaba assumindo a sua mentalidade: e, no mundo, as mulheres tinham um posto de segunda categoria” (L’Osservatore Romano, 03-01-2017). Os Evangelhos dão razão ao assessor de Francisco: foi o ventre de uma mulher que acolheu o Salvador (Lc 1,31-35) e uma mulher foi primeira mensageira da Ressurreição (Jo 20,16-18). A relação de Jesus com as mulheres foi um dos aspectos mais revolucionários de sua vida. Ele rompe com todos os tabus, tradições e normas que as discriminava.
Na Igreja não deveria haver mais a distinção entre homem e mulher (Gal 3,23-28). Toda mulher batizada partilha por inteiro do Sacerdócio, Majestade e Missão Profética de Cristo. O Batismo destrói honrarias e hierarquias. João Paulo II fechou a porta ao ministério feminino na Igreja. Mas decisões papais não são infalíveis e os argumentos que expõe são mais sociológicos e anatômicos que teológicos. Exclui-se a mulher da hierarquia fundamentalmente por ser mulher. A Igreja terá mais harmonia quando as mulheres estiverem representadas nas estruturas decisórias.
Desde o início do seu pontificado, Papa Francisco multiplica os discursos em favor das mulheres: “Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele os criou, masculino e feminino ele os criou” com igual valor e dignidade, mas “as mulheres são mais corajosas que os homens”. Que a coragem das mulheres continue inspirando Francisco. Porque não basta entregar flores e dar os parabéns no dia 08 de março! É preciso ousadia para dar um basta à retórica ideológica da misoginia e do patriarcado. Dentro e fora da Igreja.
*Élio Gasda: Doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).
Nenhum comentário:
Postar um comentário