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Francisco está dando uma guinada no interior da Igreja católica.
Francisco recolocou a Igreja na cena política internacional.
Élio Gasda*
Eleito aos 76 anos em 13 de Março de 2013, Francisco, nascido Jorge Mario Bergoglio, é o primeiro papa não europeu desde o sírio Gregório III (731-741). Jesuíta, Bergoglio é o 266º Bispo de Roma e Servidor da unidade da Igreja a ocupar a linha sucessória da cadeira de Pedro. Francisco renunciou a atributos de vestimentas e hábitos honoríficos e foi viver em um quarto e sala de 70m², em vez dos luxuosos apartamentos pontificais. Criado no subúrbio de uma metrópole latino-americana, Francisco construiu sua compreensão dos espaços: fronteiras existências famílias sem casa, sem trabalho, gente descartada. Este papa tem lado: o da opção preferencial pelos pobres. O vínculo entre seu pontificado e os pobres é indissolúvel. “Os pobres são a carne de Cristo”!
Admirado pela sua simplicidade, jovialidade, coerência e coragem, Francisco recolocou a Igreja na cena política internacional. Ao desmascarar as causas da pobreza, desacralizar as estruturas injustas divinizadas e defender a justiça social, o líder da Igreja tornou-se uma referência a todos que resistem à tentação da idolatria do dinheiro, à ditadura dos mercados, à especulação financeira, às políticas que consideram doentes e idosos um estorvo.
Francisco introduz o pensamento sistêmico na Igreja, segundo o qual todos os fatores sociais estão relacionados. A humanidade carrega a responsabilidade pela exclusão social e a degradação planetária por não reagir diante de um sistema que destrói “a casa comum”. A crise que assola os trabalhadores é fruto de uma economia que despreza o ser humano: pobreza-exclusão e cultura do desperdício, ditadura do curto prazo e alienação consumista, aquecimento global e cultura da indiferença. Entretanto, ao reorientar toda a Igreja a olhar o mundo a partir dos excluídos não diz nada de novo; repete o que está dito em vinte séculos da história do cristianismo. Se por um lado existe continuidade, por outro, o pontífice latino americano vai muito além de seus antecessores. A DSI sempre insistiu na urgência da reforma agrária, no direito à habitação e ao emprego. São os três “T” de Francisco: Terra, Teto, Trabalho.
Um homem que desafia as consciências. Não deixa ninguém indiferente. Amado por uns, combatido por outros. Amigo de Mujica e crítico das políticas insanas de Trump. Francisco se escandaliza diante do tráfico de pessoas, do drama dos refugiados, denuncia a onda de golpes de Estado na América Latina, assina um quase acordo com o Estado Palestino. Não estranha que entre os principais adversários de Francisco estão os capitalistas neoliberais. Logo na primeira Exortação Evangélica, Evangelii Gaudium, Francisco deu o tom de seu Pontificado ao dizer “não a uma economia da exclusão e da desigualdade social”. Sua sensibilidade social salta aos olhos, tanto em suas declarações como em seus gestos. Segundo ele, “não se pode tolerar mais o facto de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome”. Este problema ocorre “quando o dinheiro, em vez do homem, está no centro do sistema, quando o dinheiro se torna ídolo, homens e mulheres são reduzidos a simples instrumentos do sistema econômico e social”. O capitalismo deixado à sua própria sorte é um sistema que se move somente em função dos seus objetivos. O amor ao dinheiro é sua razão de ser.
O objetivo da economia e da política é servir a humanidade, começando pelos mais pobres e vulneráveis. “Na ausência de tal visão, toda a atividade econômica não tem sentido”. Portanto, não há futuro nesta “ditadura sutil” chamada capitalismo. Todo sistema centrado no lucro converte o dinheiro em “esterco do diabo”. O Bispo de Roma retoma o ensinamento de Jesus: "Não se pode servir a Deus e ao dinheiro" (Mt 6, 24). Evangelho em estado puro contra o terrorismo da economia: “Há sistemas econômicos que, para sobreviver, devem fazer a guerra”.
Sua proximidade com as multidões está fundamentada na Teologia do povo, braço argentino da Teologia da libertação. Para simbolizar a reabilitação desta teologia incompreendida por João Paulo II e desprezada por Bento XVI, Papa Francisco recebeu em audiência a Gustavo Gutierrez e beatificou Oscar Romero, bispo de San Salvador martirizado em 1980 pela extrema direita.
Francisco está dando uma guinada no interior da Igreja católica. Não hesita em romper com o centralismo clericalista ultraconservador: “É mau para a Igreja quando pastores se tornam príncipes”. Prefere uma Igreja ferida e enlameada por ter saído pelos caminhos, a uma Igreja doente de tão fechada sobre si mesma. A Cúria opõe grandes resistências. “Abençoem-me”, disse o pontífice aos fiéis na Praça São Pedro na noite de sua eleição. Sim, as multidões de pobres e descartados continuam te abençoando! Parabéns Francisco! Que venham mais quatro anos! Com misericórdia, o Senhor o elegeu... e o sustenta.
*Élio Gasda: Doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).
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