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As grandes religiões, por buscarem a paz, não são problema para os Direitos Humanos, mas a interpretação fundamentalista de suas escrituras sagradas.
A proposta do diálogo inter-religioso não encontra espaço entre os fundamentalistas, o que dificulta uma política de paz. (Reprodução/ Pixabay)
Por Alex Kiefer da Silva*
Uma das questões primordiais que se levantam na atualidade diz respeito à forma como o ser humano tem se posicionado frente ao cenário sociopolítico, econômico e cultural que o cerca. Mais do que isso, chama a atenção o modo como as relações interpessoais têm se processado no âmbito do mundo globalizado, visto que a integridade de cada pessoa tem sido exposta a situações de preconceito e intolerância, motivadas por fatores religiosos, raciais e sexuais na sua maioria. E é neste aspecto que se discute a importância dos direitos humanos nos dias atuais.
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Quando falamos da promoção dos direitos humanos, estamos falando da promoção da própria vida humana, em nível individual e coletivo. A salvaguarda dos direitos humanos é um aspecto importante e até mesmo previsto nas constituições de grande parte das nações do planeta, pelo simples fato de que se trata de uma proteção da integridade física, psíquica e moral de cada indivíduo que compõe a sociedade. Contudo, não se observa um quadro de harmonia e respeito com relação à vida humana. O que se vê é preocupante, pois se observa cada vez mais a degradação das relações individuais em vários níveis.
Propomo-nos a discutir a questão dos Direitos Humanos (aqui grafado com maiúsculo para especificar sua aplicação no âmbito legislativo) no que tange aos seus aspectos religiosos, visto que as religiões, na sua essência, valorizam e incentivam o respeito e o zelo mútuo entre seus praticantes. As grandes religiões planetárias buscam fomentar a paz e a prosperidade a partir dos seus preceitos de paz, amor, tolerância, perdão e compaixão. O problema reside na interpretação que cada um faz de sua própria escritura sagrada, o que pode caracterizar o fundamentalismo religioso.
No que tange às relações entre religião e direitos humanos, o fundamentalismo religioso nos permite compreender questões que afetam diretamente milhões de pessoas em todo o mundo, todos os dias. As bases complexas do fundamentalismo religioso fomentam outras questões em seu cerne, tais como o preconceito em nível de raça, sexo, etnia e condição sexual, bem como a intolerância a tudo aquilo que contradiga sua crença, repassada historicamente pela tradição e fundamentada nos livros sagrados. Infelizmente, a interpretação equivocada, construída sobre bases doutrinais fracas, aliada à incapacidade do indivíduo de discernir o respeito à individualidade do outro, é a mola propulsora dos conflitos e de todo o sofrimento que ele traz aos seus envolvidos.
Tomemos como exemplo o fundamentalismo islâmico, que, figurado na forma de grupos terroristas tais como o ISIS (Estado Islâmico) e o Al-Qaeda, tem espalhado o terror no planeta, elevando à risco máximo a possibilidade de ataque em países ocidentais tais como Estados Unidos, Inglaterra, França, Itália e Israel, dentre outros. Neste tipo de fundamentalismo, exacerbado pelo ódio e que produz um esvaziamento racional daqueles que se alistam em suas fileiras, a base teológica é interpretada e reinterpretada a bel-prazer, pouco interessando se ela representa ou não a maioria dos crentes, mas que serve a um grupo e nela se apoiando para agir. Aqui, a doutrina da Jihad (Guerra Santa) é evidenciada como uma força de punição e destruição da fé de todos os que não são muçulmanos, um expurgo do que é ruim no mundo para afirmação do Islã. Por isso, não se diz que a doutrina pregada por estes grupos representa o Islamismo, mas sim uma doutrina reinterpretada por um grupo fechado para sua própria conveniência. O próprio Islamismo repudia as práticas terroristas, alegando que em sua doutrina pura a prática do amor, do respeito e da caridade é um dos seus pilares principais e que a Jihad não representa uma luta pela afirmação do Islã sobre o mundo, subjugando e destruindo as outras religiões, mas que deve ser entendida num contexto histórico como uma reafirmação da fé muçulmana.
Este aspecto combativo e acirrado que o fundamentalismo religioso alcançou nos últimos anos, além de caracterizar um atentado contra a vida de inocentes, tem adquirido uma amplitude maior, que inclui agora, também, a destruição de importantes sítios arqueológicos e naturais do planeta e a perseguição étnica, como tem sido observado em países como Síria, Líbia, Afeganistão e Iraque. A proposta do diálogo inter-religioso não encontra espaço entre os fundamentalistas, o que dificulta uma política de paz.
No entanto, existe outra forma de dano aos direitos humanos que não é alardeado como guerra, mas se faz mais silencioso e tange ao aspecto do respeito individual entre pessoas, e no qual as religiões poderiam abertamente trabalhar em nível de conscientização: o bullying. Caracteriza um nível de violência que vai desde a agressão verbal e humilhação até a agressão física e a tortura mental da vítima. Tem sido muito combatido nas escolas e universidades em todo o mundo, pois apresenta como agressores e vítimas, na sua maioria, jovens e adolescentes que, intolerantes, querem reprimir todos aqueles que lhe são diferentes, numa situação desigual de poder. Os processos de bullying, na atualidade, alcançaram o requinte de utilizar até os meios eletrônicos, disseminando pela internet seus padrões de violência, atacando e ofendendo pessoas que, não tendo como se defender das ameaças e da pressão emocional que elas trazem, acabam por desenvolver quadros de depressão que podem levar, inclusive, ao suicídio.
Enquanto se fala da proteção aos Direitos Humanos e da salvaguarda da integridade física, psicológica, moral e cultural de cada um, percebe-se a amplitude do trabalho que a religião pode oferecer como formadora de consciências e de cidadania. Aliada da Justiça e da Legislação, a Religião é uma força considerável nos processos de mediação e defesas destes direitos. Estes, na sua totalidade, acabam por ficar condicionados ao entendimento individual de cada um, que precisa ver que o outro merece ser respeitado em suas convicções religiosas e culturais, condutas sexuais e condicionamentos de raça, cor, gênero e classe social. A religião que ensina o amor, o respeito e a paz: é esta chave que permite, no seu adequado tratamento doutrinário, que haja um diálogo visando o fim de tantos entendimentos doutrinais equivocados e mobilizando forças para, efetivamente, promover a paz e o respeito mútuo entre os povos. Mais do que uma proposta de união das grandes religiões planetárias, é um esforço que deve começar partindo de cada um de nós, com a prática pessoal do respeito e da tolerância a si mesmo e ao outro.
*Alex Kiefer da Silva é mestre em Ciências da Religião pela PUC Minas.
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