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Entenda como atua a diplomacia vaticana.
A primeira diplomacia institucionalizada do mundo foi a vaticana. (Reprodução/ L'Osservatore Romano)
Por Mirticeli Dias de Medeiros*
Você parou para pensar que o Vaticano - na linguagem mais correta, a cidade do estado do Vaticano - é um país soberano? Trata-se do menor do mundo em extensão que após o Tratado de Latrão, de 1929, é restrito a uma pequena área de 44 km quadrados comandada pela autoridade máxima do catolicismo: o papa. Tal acordo possibilitou que a Igreja readiquirisse uma base centralizada na qual pudesse exercer seu governo com liberdade após o fim do milenar estado pontifício em 1870, durante o pontificado de Pio IX. Talvez esta introdução soe redundante, mas tudo isso servirá para que você, no decorrer do artigo, entenda um pouco como funciona a estruturada diplomacia vaticana.
O pontifex maximus, como chefe de estado, possui um corpo diplomático coordenado por um secretário de estado. Atualmente, o cargo é assumido pelo cardeal italiano Pietro Parolin. Aliás, a fins de aprofundamento, é importante precisar que, desde Paulo VI, pede-se justamente que caso o papa seja um estrangeiro, a função seja confiada a um italiano, uma vez que o primeiro estado com o qual o Vaticano deve estabelecer relações é justamente com a Itália, o país que o “hospeda”.
Outra coisa interessante é que a primeira diplomacia institucionalizada do mundo foi justamente a vaticana, a qual, hoje, consegue firmar relações com 180 países. No entanto, diferente da diplomacia clássica, o objetivo último de sua atuação consiste em garantir a liberdade religiosa para o catolicismo e proteger aqueles que se professam católicos em todas as partes do globo, bem como promover a ação pastoral da Igreja Católica. Por isso, é um tipo de diplomacia que se faz na máxima cautela e, em condições extremas, é feita até de silêncio. É esta a postura predominante dos pontificados desde o século passado: a de conduzir uma diplomacia de conciliação.
Alguns especialistas no pontificado de Pio XII, por exemplo, chegam a alegar que seu silêncio durante a segunda guerra mundial foi motivado por medo de uma represália contra a igreja católica por parte do regime nazista. Se essa foi a razão ou não, a verdade é que o modus operandi da Santa Sé é de não se manifestar em situações de acalorado conflito, pelo menos em um primeiro momento. Daí explica-se porque Papa Francisco demorou a falar sobre o que ocorre na Venezuela e, quando falou, fez questão de fazê-lo durante discurso que antecede a oração mariana do Angelus, ocasião na qual os papas geralmente condenam o que consideram atos de violência ou desrespeito à dignidade humana. O Vaticano possui relações diplomáticas com a Venezuela, sendo assim, não pode simplesmente proferir um discurso que não seja previamente articulado e não leve em consideração essa relação. A operação não é fácil como se pensa. A Santa Sé sempre buscará consultar previamente os dois lados antes de emitir qualquer juízo.
Por isso, é vão pedir que o papa se manifeste sobre a questão da liberdade religiosa na Bolívia no “calor da emoção”, mesmo que Papa Francisco, como vemos, exprima não se importar com a rigidez dos protolocos. Porém, ele mesmo já aprendeu que uma gafe diplomática, como foi o caso de sua última viagem do Chile, na semana passada, onde defendeu um bispo acusado de acobertar casos de pedofilia, pode ser fatal. O papa é um líder religioso, mas também é um chefe de estado. Ele não pode simplesmente convocar uma cruzada católica como nos tempos que a Igreja tinha a posse da primeira e da última palavra. É um risco transformar o papa em uma figura destacada da realidade e excluí-lo da dinâmica política que rege as frágeis relações entre os membros comunidade internacional. Hora de enxergar o Vaticano como um estado, cuja língua não é somente aquela da fé, mas também aquela de preservação do seu próprio status quo.
*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e bacharel em História da Igreja e bens culturais pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, e atualmente, mestranda em História da Igreja na mesma instituição. Desde 2009, cobre primordialmente o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália, sendo uma das poucas jornalistas brasileiras credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé.
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