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Pensar em carnaval é pensar, de alguma maneira, em carne, daí o pavor de muitos religiosos com esta festa.
O carnaval divide opiniões: há pessoas que morrem de amores pela festa e há aquelas que odeiam. (Fernando Maia/FOTOPRESS)
Por Felipe Magalhães Francisco*
O carnaval divide opiniões: há pessoas que morrem de amores pela festa e há aquelas que odeiam. Os motivos são muitos, para os dois lados. Não há como negar, porém, a importância que estes dias têm no calendário brasileiro. Convencionou-se a dizer que o ano só realmente começa, neste país, depois do carnaval. Há verdade nisso. É preciso levar em conta, também, que esses dias são propícios para todo mundo: há uma infinidade de coisas que podem ser feitas – ou até mesmo não feitas – ao longo destes dias. Há maneiras de viver o carnaval para todos os gostos. Nas avenidas, nos blocos de rua, nos retiros religiosos e até mesmo nas maratonas de seriados pelos serviços de streaming.
Antropologicamente falando, as festas são fundamentais para os seres humanos. Elas contribuem para o bem correr da vida. Há muitas reflexões possíveis de serem feitas a respeito do carnaval. Uma delas é a capacidade de encarar com leveza a aridez da vida. Olhando, por exemplo, a situação de nosso país: quem não reparou que as pessoas têm andado cabisbaixas nas ruas, que as conversas de ponto de ônibus e de boteco estão carregadas de peso e de lamentações? Nestes dias de festividades, um bom laboratório será o de observar as pessoas: não tenho dúvidas de que nas muitas folias espalhadas por aí, os brasileiros e brasileiras conseguirão celebrar e se alegrar, apesar de todas as dificuldades, que continuarão reais nos dias de folia e, infelizmente, depois desses dias. Será bom reparar, também, como as questões sérias pelas quais estamos padecendo como nação, aparecerão nos blocos populares, com criatividade, senso crítico e bom humor.
Mas, vamos ao que interessa, porque o tempo ruge e a Sapucaí é grande! Pensar em carnaval é pensar, de alguma maneira, em carne, daí o pavor de muitos religiosos com esta festa. Há, nesse sentido, maneiras de se pensar, positivamente, a “carne do carnaval”, teologicamente falando? É o que buscamos refletir nos artigos de nossa matéria especial.
O primeiro artigo, Minha carne é de “carnaval”, de Rodrigo Ladeira, abre nossa conversa, a partir do tema da encarnação do Verbo. É na carne – corpo – que a salvação é possível, porque este foi o caminho assumido por Deus, em seu Filho. O que faz com que os cristãos e cristãs professem, em sua fé, a esperança na Ressurreição da carne. O carnaval pode, nesse sentido, ser uma festa para assumir nossa carne, num espírito de convivialidade e de encontro: não deixando de ser o que somos, negando essa carne assumida por Deus, mas vivendo-a em sua ambiguidade que propicia a salvação.
Julio Reis Simões é o autor do segundo artigo, Terça-Feira-Gorda, no qual aponta para as origens do carnaval, festa tão querida e ressignificada pelos brasileiros e brasileiras, para, a partir disso, refletir sobre os retiros de carnaval, próprios em muitas comunidades cristãs. Tais retiros precisam ser propostas não que neguem a carnalidade da vida humana, mas que, inspirados na pessoa de Jesus, contribuam para o processo de encarnação, festejando e celebrando a presença do Noivo. Alegrar-se no carnaval não é perder-se, como nos inspira o artigo: eis uma boa oportunidade de se viver a temperança!
Por fim, tecendo uma leitura teológica do carnaval, em sua relação com a Quaresma – tempo litúrgico a iniciar-se na quarta-feira de cinzas, pós-carnaval –, Danilo César propõe, no artigo O carnaval: morrer para a carne, uma reflexão a partir da ideia do batismo cristão: morte da carne de pecado e ressurreição na carne renascida em Cristo. Carnaval e quaresma, então, são uma despedida da carne: daquela que se opõe à vontade de Deus, para a assunção de uma carne salva. Nesse sentido, a festa do carnaval é um convite à profecia, que proclama a dignidade da vida, por meio da alegria e que chama à vigilância, em relação àquilo que desumaniza.
Uma ótima folia, com muita alegria!
*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.
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