quarta-feira, 14 de março de 2018

A espera e do silêncio

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O garçom enchia meu copo, eu comecei a me esvaziar.
Tínhamos planos para o futuro e alguma esperança.
Tínhamos planos para o futuro e alguma esperança. (Reprodução)
Por Pablo Pires Fernandes*

No bar de costume, sentei-me em uma mesa distante. Precisava do silêncio. Era impossível, obviamente. A casa estava cheia. O falatório formava uma massa sonora, pontuada por risadas e exclamações enfáticas de um ou outro cliente das mesas ao redor. Eu sentia apenas o excesso de informação acumulada ao longo do dia e sabia que seria assim, sempre. Era só mais um dia. Desejava não falar. Menos ainda, ouvir. O garçom enchia meu copo, eu comecei a me esvaziar.

Quieto, não olhava além do copo. O pensamento diminuiu seu fluxo até que houve espaço na minha mente para uma dúvida. O ato de esperar, esse momento específico, ainda existe? Na era dos smartphones, WhatsApps, Twitters e Facebooks, não há mais espera, pensei.

Deixei a ideia fluir e me vieram à lembrança momentos de silêncio e espera. A mudez tímida ao receber a bronca da mãe, a perplexidade diante do olhar sedutor, as raivas engolidas e todos os nós entalados, calando na garganta. Silêncios do passado. Determinantes.

Calculei o tempo nas rodoviárias, estações de trem e aeroportos. Vieram-me improváveis recordações como se assistisse a um filme: os momentos de fome antes da primeira garfada, a sirene do recreio que nunca soava e a longa indiferença do telefone à espera da namorada.

Divagava sobre todas essas coisas e, inesperadamente, uma amiga me fez sair do transe. Não nos víamos há mais de cinco anos. O abraço e o sorriso de Gabriela fizeram surgir imagens e afetos de algum arquivo empoeirado da minha memória. A distância entre passado e presente instituiu nos deixou sem palavras. Era um silêncio bom, não tinha pressa nem constrangimento. Os olhares se acostumaram e, em cinco minutos, já falávamos como se não houvesse ontem.

Ao contrário do que eu esperava – se é que houve espera –, não falamos do passado. Tínhamos planos para o futuro e alguma esperança, apesar de concordarmos, com inevitável amargor na alma, sobre a triste ruína do que nos cercava naquele momento.

Nossa conversa passeava por algum mês da primavera de 2020. Foi interrompida por um senhor grisalho, de bochechas rosadas e barba bem aparada. Ele era meu conhecido de outras prosas no bar. Convicto, ele declarou sua intenção de voto para as próximas eleições presidenciais. Ao ouvir o nome do candidato, foram necessários uns 30 segundos para assimilar a informação e responder.

Falei alguma coisa sobre a Alemanha em 1936, peguei a garrafa de Original e ameacei atacá-lo. Ele sabia que era pura encenação e da minha incapacidade de cometer qualquer violência. Entendeu o limite da conversa e, delicadamente, retirou-se. Não tinha problema algum. A democracia de boteco é exemplar, pensei.

A amiga se foi. Sozinho, fechei os olhos e, em silêncio, esperei por nada. De novo, dúvidas. As imagens da noite embaralhadas. Não achava uma linha que costurasse passado, presente e futuro. Pensei no acaso, imprevisível e determinante. Decidi dormir e a sorte me trouxe um táxi e o rumo de casa.

*Pablo Pires Fernandes é jornalista, subeditor do caderno de Cultura do Estado de Minas e responsável pelo caderno Pensar.

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