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O 'papa comunista', como os seus inimigos o definem, incomoda.
Francisco é homem de extraordinária sensibilidade social.
(AFP/ Arquivos/ Eitan Abramovich)
Por Élio Gasda*
Tendo o Evangelho como referência, Francisco está abrindo as portas da Igreja. São eixos de seu pontificado: cuidar da terra e das criaturas que habitam a casa comum (Laudato sí); promover o amor nas famílias, sem medos e sem preconceito (Amoris Laetitia); Misericórdia é o nome de Deus. Um Deus que surpreende, não o Deus impassível ensinado por tantos e que não atrai ninguém.
Francisco é a única liderança global a levantar a voz contra o neoliberalismo. Um crítico severo do sistema econômico mundial. O “papa comunista”, como os seus inimigos o definem, incomoda. Para ele é preciso construir uma economia que serve ao homem e não se sirva do homem. Nenhum poder sacrifica mais vidas e ocasiona mais sofrimento e destruição que essa ditadura de uma economia sem um objetivo verdadeiramente humano. Francisco incita a rebelião contra a tirania do dinheiro que reina ao invés de servir.
Francisco leva o Evangelho ao coração do capitalismo. Mensagem subversiva. Ricos e poderosos estão à serviço de uma ideologia que coloca o dinheiro acima da dignidade humana. Se o lucro prevalece como fim, a democracia se torna uma plutocracia em que crescem as desigualdades. Existem duas causas que alimentam a exclusão: a desigualdade e a exploração do trabalho não digno da pessoa humana. Como explicar o aumento da fome, quando há tanto dinheiro? Um mundo atrofiado por um sistema que não permite o desenvolvimento humano integral e respeitoso da criação.
Um papa contra o ecocídio e o humanicídio. Sem respeito pela terra e pelo outro não haverá futuro. Como permanecer indiferentes silenciando a voz da consciência com práticas religiosas? Parte das religiões tornou-se serva do capitalismo e dos poderosos. Fundamentalismos que levam ao extremismo e ao ódio. O que Francisco faz, ao contrário, é pôr a fé a serviço da humanidade, que é a tarefa de cada religião.
Homem de extraordinária sensibilidade social. Encontrou nos refugiados, nos trabalhadores, nos descartados, nas crianças e nas mulheres o rosto de Cristo. Lampedusa, ilha que acolhe milhares de refugiados vindos da África foi sua primeira viagem. Foi o primeiro passo que o transformou na grande liderança geopolítica do planeta. A história se faz com os mais pobres. Estes são os protagonistas. Não deis a nenhum César o que só é de Deus: a vida dos seus filhos e filhas. Os pobres são de Deus. Ninguém pode abusar deles. Não se deve sacrificar a vida e a dignidade das pessoas a nenhum poder. Uma Igreja reorientada a partir dos abandonados.
A defesa do trabalhador é um tema central. “O mundo do trabalho é tão importante para a Igreja quanto a paróquia. É o mundo do povo de Deus”. A precarização, além de imoral, mata a dignidade, mata a saúde, mata a família, mata a sociedade. Os desempregados não têm mais força para procurar trabalho. Os que trabalham na precariedade não conseguem superar o limiar da pobreza (Mensagem aos participantes da 48ª Semana Social Italiana). O trabalho edifica todo o pacto social. “Sem trabalho, a democracia entra em crise”. Tirar o trabalho das pessoas ou explorá-las com trabalho indecente e mal pago é uma tragédia social. Os desempregados são os novos excluídos (Encontro com o Movimento de Trabalhadores Cristãos).
Mudar a visão do mundo! Evitar a tragédia! Voltar a pensar. Buscar saídas. “Quando uma pessoa se depara com uma vítima, é chamado a cuidar dela e talvez, como o bom samaritano, também associar o mercado (o hoteleiro) à sua ação”. Mas “é preciso agir antes que o homem se depare com os ladrões, combatendo as estruturas de pecado que produzem ladrões e vítimas. É simples doar uma parte dos lucros, sem abraçar e tocar as pessoas que recebem as migalhas” (Encontro Economia de Comunhão, 2017).
O que ordena aos cardeais aplica-se ao povo de Deus: “Jesus segue à frente de vós, cardeais. Chama-vos a olhar para a realidade. Não vos chamou para vos tonardes príncipes na Igreja. A realidade é muito diferente! A realidade é a cruz. A realidade são os inocentes que sofrem e morrem por causa das guerras e do terrorismo. São as escravidões que não cessam de negar a dignidade, mesmo na era dos direitos humanos; a realidade é a dos campos de refugiados, que às vezes lembram mais um inferno do que um purgatório; a realidade é o descarte sistemático de tudo o que não é útil, incluindo as pessoas. É isto que Jesus vê” (Vaticano, 2017). Esses cinco anos fizeram dos católicos pessoas mais preocupadas com as questões sociais?
*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).
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