terça-feira, 10 de abril de 2018

Vencer a tristeza e encorajar a esperança

domtotal.com
Olhar para o espelho pode ser gesto revelador do que nos tornamos ou do que temos sido ou ainda do que temos feito com e para os outros.
O espelho no qual miram os discípulos de Emaús é um rosto desconhecido a lhes contar histórias que o desespero, a tristeza e o medo os fizera esquecer.
O espelho no qual miram os discípulos de Emaús é um rosto desconhecido a lhes contar histórias que o desespero, a tristeza e o medo os fizera esquecer. (Tom Quandt/ Unsplash)
Por Tânia da Silva Mayer*

Certamente não haverá em nossa terra um único forasteiro que não sabe o que aconteceu por aqui. Muito pelo contrário, os fatos e atos são conhecidos por todo o mundo. Pessoas de diferentes lugares do globo opinam e se manifestam sobre todas essas coisas. Transcorridos todos os acontecimentos da última semana, é importante nos perguntarmos sobre como nos sentimos e sobre como experimentamos o mundo ou como nos vemos como indivíduos e como sociedade brasileira. Olhar para o espelho pode ser gesto revelador do que nos tornamos ou do que temos sido ou ainda do que temos feito com e para os outros. Para os que se confessam cristãos, essa autorreflexão é imprescindível no confronto com o mundo e em virtude das interpelações que ele os faz. Revisitar as motivações, as emoções e sentimentos, as ideias e ideologias mundanas corrobora o próprio processo de conversão às inspirações primigênias da fé.

Na narrativa lucana da visão do Ressuscitado pelos discípulos que estão voltando para a casa em Emaús depois da terrível tragédia da crucificação de Jesus, a presença do peregrino que se aproxima interessado pelos dois que caminham serve de espelho para que eles se percebam discípulos e testemunhas de alguém cuja memória continuará sempre viva na comunidade cristã. O espelho no qual miram os discípulos de Emaús é um rosto desconhecido a lhes contar histórias que o desespero, a tristeza e o medo os fizera esquecer. Precisamente, é mirando além deles mesmos que lhes será permitido vislumbrar a plenitude do que podemos vir a ser, pessoas renovadas, cheias de esperança e empenhadas numa cultura da paz que não é conivente com obsequioso silêncio diante das injustiças.

Convertida a tristeza em alegria e as lágrimas em sorriso, os discípulos compreendem como devem proceder depois de todo o ocorrido. Devem testemunhar a possibilidade de um mundo novo possível, no qual a vida é maior e importa mais e no qual a justiça existe como baliza de relações mais humanizadas. Sobretudo, os discípulos sabem que esse mundo novo possível já se encontra inaugurado por Jesus, por meio da sua radical predileção pelos sofredores do mundo e o empenho em ajudá-los a experimentar uma vida mais digna. Sabem ainda que tudo isso poder ser experimentado por graça no aqui e agora das existências, mas só se realizará plenamente quando Deus for tudo em todos.

O Evangelho que leremos nas liturgias do próximo domingo deve nos ajudar a encarar o que somos e fazemos diante dos fatos que nos cercam. É, pois, importante sermos capazes de nos percebermos no emaranhado dos acontecimentos que nos envolvem. A tristeza que carregamos hoje por ver fraudado um projeto de sociedade que contemplava minimamente o direito das pessoas empobrecidas em nosso país, a saber, o direito à terra, ao trabalho e ao pão, parece não ter mais fim. Voltamos para nossas casas e grupos com um sentimento de fracasso, perguntando-nos sobre o que deu errado para que também aqueles desfavorecidos se unissem aos seus algozes. No entanto, precisamos mirar para além da tragédia social que vivemos, acreditando sem reservas que outro mundo é possível, mas através da peleja e de um trabalho empenhado em manter viva a memória através de narrativas que deem conta das mudanças significativas que todos experimentamos. Por fim, é imprescindível identificar o que está próximo de nossas mãos para ser feito e o que realmente nos cabe fazer. Aos cristãos e às cristãs que testemunham o Reino no comum da sociedade, a tarefa de denunciar o que aí está não se encontra eximida da tensão escatológica de saber que por melhores que sejam os governos do mundo, nenhum deles se compara ao que será o Reino. Por fim, uma autocrítica nos ajudará a perceber se estamos pelejando ao lado dos que sofrem ou se ao lado dos que os oprimem. Essa percepção é que nos ajudará a superar a tristeza e encorajar nossa esperança por outro Brasil.

*Tânia da Silva Mayer é mestra e bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE); graduanda em Letras pela UFMG. Escreve às terças-feiras. E-mail: taniamayer.palavra@gmail.com.

Nenhum comentário:

Postar um comentário