domtotal.com
Cruz foi uma das várias vítimas de abuso sexual cometidos pelo padre Fernando Karadima. Apesar de tudo, manteve sua fé católica.
Os sobreviventes do abuso sexual clerical chileno Juan Carlos Cruz e James Hamilton participam de uma coletiva de imprensa no prédio da Associação de Imprensa Estrangeira, em Roma, em 2 de maio. (CNS photo/Paul Haring)
Por Michael J. O’Loughlin
Juan Carlos Cruz, o homem que disse que o Papa Francisco lhe dissera durante uma recente reunião privada que Deus o fez gay e que Deus o ama do jeito que ele é, diz que o seu encontro com o papa é um modelo de como os líderes da igreja devem dar as boas-vindas a católicos L.G.B.T., mesmo que ele acredite que o ensinamento da igreja sobre a homossexualidade deva mudar.
“Ele disse: 'Veja Juan Carlos, o Papa te ama desse jeito. Deus fez você assim e ele ama você’”, lembrou Cruz nesta semana.
Em entrevista à America, Cruz, vítima de abuso sexual por um padre católico no Chile, sua terra natal, disse que, mesmo que o ensinamento da Igreja sobre a homossexualidade permaneça inalterado, as palavras do Papa são um exemplo de como os católicos L.G.B.T. podem ser bem-vindos na igreja.
“Eu vi um homem compassivo, vi alguém que estava cuidando de alguém, não se preocupando se somos gays, héteros, morenos, brancos. Ele estava ouvindo alguém que foi ferido, abusado”, disse Cruz.
Cruz conta que dissera ao Papa que, quando apresentou alegações de abuso sexual, líderes da Igreja chilena, incluindo o cardeal Javier Errazuriz, membro do conselho consultivo do Papa, disseram que o fato de ser gay, fazia dele uma vítima não legítima porque poderia ter gostado do abuso.
Isto, ele disse, pareceu tocar o Papa Francisco.
"Acho que o Papa reagiu a tudo isso apenas por ser o homem compassivo que é", disse Cruz.
O Vaticano está aderindo à sua política de não comentar as conversas privadas do papa, mas Cruz disse que decidiu compartilhar parte do seu lado da conversa com Francisco - a grande maioria das quais ele mantém em sigilo, disse - porque estava tão intimamente ligado ao seu próprio caso. Ele ouviu que outros católicos sofreram de maneira semelhante e espera que as palavras do papa possam trazer a "cura" para os outros.
O debate sobre como os católicos L.G.B.T. deveriam ser tratados pelas autoridades da igreja tem sido constante desde os primeiros dias do papado de Francisco, quando ele perguntou “Quem sou eu para julgar?” Em resposta a uma pergunta sobre os padres gays. Mais tarde, um homem transgênero disse que se encontrou com o Papa Francisco no Vaticano. Outro fato interessante, na ocasião de sua visita aos Estados Unidos em 2015, é que o Papa passou um tempo com um antigo amigo argentino e seu parceiro masculino que mantêm uma relação homossexual de mais de 19 anos.
Mais recentemente, um número de altos funcionários da igreja endossara a proposta Construindo uma Ponte, livro do Padre jesuíta e editor americano James Martin, no qual ele pede aos líderes da igreja que deem as boas-vindas aos católicos L.G.B.T. Nesta semana, o arcebispo italiano Matteo Zuppi endossou esse chamado em um prefácio à edição italiana do livro. Mas, como alguns católicos apontam, o papa Francisco não mudou o ensino da Igreja em questões de sexualidade, e ele se manifestou fortemente contra o que chama de “ideologia de gênero” várias vezes.
Quanto ao Sr. Cruz, este diz que “o ideal seria obviamente mudar o ensino, claro, com ninguém como católico de segunda classe, ou cidadão de segunda classe, apenas por pertencer à comunidade L.G.B.T.".
Ele acha que se o Papa pode se encontrar, ouvir e receber um homem gay na igreja, não há desculpa para que outros líderes da igreja não façam o mesmo.
“Não há razão para que cada pastor partindo do Papa não possa ser acolhedor com todos. Eu acho que os gays em geral já se machucaram o suficiente, e eles não são de segunda classe e merecem o mesmo amor e respeito que qualquer outra pessoa”, disse, acrescentando: “Ninguém quer tratamento especial. Ninguém".
"O acolhimento seria apenas integrar todos a esta grande comunidade, que tem pessoas de diferentes estilos de vida, diferentes etnias, diferentes orientações sexuais, diferentes nacionalidades", disse. "Isso é o que significa católico".
Respondendo a uma pergunta sobre uma entrevista oferecida pelo cardeal Gerhard Muller, como foi relatado pela Breitbart News, em que o ex-chefe da Congregação para a Doutrina da Fé disse que a homofobia “simplesmente não existe, é claramente uma invenção, um instrumento de dominação totalitária sobre as mentes dos outros”, Cruz suspirou.
"Eu acho que há muita homofobia por aí, na igreja, e é muito triste", disse ele.
Ele lembrou dos esforços de bispos chilenos para rejeitar suas queixas de abuso sexual por causa de sua sexualidade. E ele notou que quando as notícias sobre as palavras do Papa chegaram a ele, recebeu uma enxurrada de e-mails, mensagens de texto e ligações, muitos outros católicos gays que também se sentiram alienados da igreja.
"Eu nunca esperei que isso se tornasse um tópico tão grande", disse. "Ao mesmo tempo, você não pode imaginar quantas pessoas escreveram para mim, enviaram mensagem, um e-mail ou usaram as mídias sociais, que disseram: 'Isso mudou minha vida'".
"Tenho amigos que foram expulsos de casa por serem gays", continuou. "Um me mandou uma mensagem e disse: 'Estou na academia e acabei de ver algo que o papa disse para você. É verdade? "Eu disse: sim, é verdade".
Quanto aos bispos do Chile, todos os quais apresentaram cartas de demissão após uma reunião com o papa, Cruz acredita que o Francisco deve, e irá, aceitar alguns imediatamente enquanto investiga outros. Mas diz que a ação é necessária, pois "os olhos do mundo estão no Chile".
"Duvido que exista um bispo [no Chile] que não esteja contaminado com esse horror de se esconder ou cometer abusos", disse ele, acrescentando que espera que a igreja e as autoridades civis responsabilizem os bispos negligentes.
“Espero que o que está acontecendo no Chile agora seja o começo do fim dessa cultura de encobrimento entre os bispos”, disse. “Espero que o Vaticano esteja levando isso muito a sério e os bispos ao redor do mundo olhem para isto e digam: 'Hum, olha só o que pode acontecer comigo'”.
Cruz disse que ainda pratica sua fé católica, prometendo no início de sua luta por justiça que não iria "deixá-los vencer". Eles podem me machucar de todas as maneiras, esses bispos, mas o que eu não deixo que eles façam é tirar algo tão precioso de mim, que é a minha fé”.
"Sou católico. Eu vou a igreja. Mantive minha fé quando todas as probabilidades estavam contra, e agradeço a Deus por isso, porque me sustenta para fazer de mim a pessoa que sou hoje”, disse ele.
America Magazine - Tradução: Ramón Lara
Nenhum comentário:
Postar um comentário