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Tite: que pode ser chamado de tudo, menos de especialista em futebol -, ao citar Mandela ("coragem é enfrentar o medo e seguir adiante").
História do cantor que, dado como morto, decide se aproveitar da situação para ressuscitar a carreira em decadência não é original, mas com um interessante twist desta vez.
Personagem de Emilio Dantas se muda para Boiporã e se apaixona à primeira vista por Luzia, vivida por Giovanna Antonelli. (TV Globo/Divulgação)
Por Alexis Parrot*Uma coisa já se pode afirmar sobre Segundo Sol: duas rainhas brilharão nos meses em que a novela estiver no ar. Adriana Esteves, malvada de novo, como gostamos de ver; e Alcione, destaque de luxo na trilha sonora do folhetim com uma regravação irresistível de O Mais Belo dos Belos.
No tempo da ditadura do funk em que vivemos, é sem preço ouvir a Marrom temperando com samba o axé e trazendo profundidade épica para um dos carros chefes do repertório de Daniela Mercury. Coisa de diva e ponto final.
Acusada de "embranquecer a Bahia" pela falta de negros no elenco principal da novela, a Globo foi obrigada a botar as barbas de molho e fazer um mea culpa. Em nota oficial, o canal afirmou ainda ter uma representatividade menor do que gostaria em sua tela e prometeu "trabalhar para evoluir com essa questão".
Apesar disso, no primeiro capítulo, só vimos negros na abertura da novela e um ou outro gato pingado nas cenas de vigília pelo ídolo desaparecido. O carnaval em Salvador que abriu a história parecia mais uma Oktober Fest.
Trama e elenco
A história do cantor que, dado como morto, decide se aproveitar da situação para ressuscitar a carreira em decadência não chega a ser um primor de originalidade. Já vimos isso antes no cinema e na televisão. Na vida real, há quem jure que Elvis e Michael Jackson ainda estão vivos.
De certa forma, ecoa a saga de Roque Santeiro, com direito até a falsa viúva. Porém, com um interessante twist: desta vez, o defunto fake não ignora a situação. Por ter participado do golpe, uma hora terá que pagar por isso - como todo golpista.
Com a primeira fase ambientada em 1999, auge do reinado da axé music no país, a trama escorrega às vezes nas gírias. Naquele tempo ainda dizíamos "massa", mas "bombar" e "quem nunca?" são expressões bem mais recentes. Quanto mais próxima da atualidade é a época escolhida para uma história, mais delicada é sua produção. E sobre isso, é bom que a emissora abra os olhos: deslizes como esses podem acabar virando pequenos desvios de atenção desnecessários.
Como em Boiporã, a paradisíaca ilha do tesouro onde o protagonista decide se esconder. No final dos anos 90, vivíamos ainda a idade da pedra da telefonia celular. Se até hoje a área de cobertura ainda pode ser um pesadelo, não dá para acreditar que naquela época pudesse existir sinal em um lugar tão desconectado do mundo.
A qualidade solar da novela chega em boa hora; um contrapeso ao clima pesadão e baixo astral de sua antecessora no horário das nove. Apesar de ter tido boa audiência, é incontornável sua baixa qualidade e inverossimilhança. O Tocantins e o público mereciam mais.
O primeiro capítulo foi enxuto e impressionou pela agilidade. Já sabemos quem é quem e a novela de fato já começou, sem conversa fiada. Personagens e tramas secundárias ficaram para depois, nem deram as caras; uma opção correta de João Emanuel Carneiro e sua equipe de colaboradores.
O elenco é forte, encabeçado por Deborah Secco e Giovanna Antonneli à frente. Entre as duas, Deborah se destaca, vivendo uma versão malévola da eterna Darlene de Celebridade. A marisqueira brejeira de Antonelli simplesmente não convence (culpa mais da escalação equivocada que da própria atriz).
De todos os acertos da novela, sobressai o Beto Falcão de Emilio Dantas - substituindo Cauã Reymond, a primeira escolha para o papel. Carismático e completamente à vontade na pele do cantor de axé boa praça, o ator promete repetir o sucesso que emplacou com o Rubinho de A Força do Querer.
Wladimir Brichta segue interpretando... Wladimir Brichta, mas diverte. Zé de Abreu não se esforça em nada para fingir o sotaque baiano e Arlette Salles, uma verdadeira barata tonta em cena, parece ter ganhado aquele tipo de papel completamente sem história, desperdiçando seu talento mais que comprovado.
Assusta ver o elenco feminino principal com botox até a alma. Mais plastificadas que carteira de identidade, as atrizes estão com a expressão endurecida, as maçãs do rosto artificialmente erguidas e todas com a mesma cara. Parecem irmãs siamesas, lutando inutilmente contra o tempo - e achando que ninguém percebe.
Dizem, com suas faces petrificadas, que a mulher não tem o direito de envelhecer. No mundo da TV e do show business, tudo ainda é produto e todas devem se enquadrar em um ideal de corpo perfeito, beleza uniformizada e eterna juventude.
Mesmo com a boa estreia, Segundo Sol ratifica essa regra de mercado e vaidade - além de revelar que a selfie pode ser a versão moderna para o retrato de Dorian Gray.
Antes da novela, um pouco de futebol
Enquanto esperava a novela começar, liguei a televisão e fui obrigado a assistir ao Jornal Nacional, que durou mais do que devia em sua edição de ontem. Inaugurando um novo cenário para entrevistas - na verdade, uma mesa - Bonner e Renata Vasconcellos receberam Tite.
Foi uma jogada em cima do lance do telejornal, para fechar o dia em que o técnico da nossa Seleção apresentou a lista de convocados para a Copa de Putin.
As perguntas foram óbvias e apelativas, pensadas para tentar levar às lágrimas o entrevistado - que se manteve firme e sóbrio, mesmo sem esconder a grande emoção do momento. Foi elegante ao comentar rapidamente a situação criminal dos três últimos presidentes da CBF e mostrou segurança ao descrever sua equipe em uma palavra: equilíbrio.
Ao contrário de seus dois antecessores no cargo (também gaúchos, por sinal), tem a consciência exata do papel que desempenha à frente da Seleção. Sabe o peso da responsabilidade que assumiu, justamente por entender que o time canarinho não é sua propriedade.
Para este colunista - que pode ser chamado de tudo, menos de especialista em futebol -, ao citar Mandela ("coragem é enfrentar o medo e seguir adiante"); exortar a educação e sua formação de professor de educação física; e dizer que aproveitou os períodos em que esteve desempregado para ler, Tite desmontou vários clichês relacionados ao esporte, honrou sua profissão e trouxe grandeza para a missão que tem pela frente.
*Alexis Parrot é diretor de TV e jornalista. Escreve sobre televisão às terças-feiras para o DOM TOTAL.
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