Jordan Runtagh | Maio 07, 2018


Em 1966, a lendária banda escreveu a primeira música pop que mencionava Deus no título. Alguns chamaram de blasfêmia
Em 1964, Brian Wilson, com 22 anos, escreveu uma carta de amor para Marilyn Rovell, mulher que logo se tornaria sua esposa. Ele terminou a nota assinando: “Do seu, até que Deus nos deseje separar”. Como em sua música, a frase era uma mistura de paixão juvenil e reverência espiritual, marcada por uma incessante inquietude.
Cada uma dessas forças definiu sua tumultuada vida e o levou a criar a maior realização artística do The Beach Boys, o álbum Pet Sounds de 1966.
A balada central do álbum, “God Only Knows” (“Só Deus Sabe”), ecoa as palavras da sua carta de amor, e também o turbilhão de sentimentos que o inspiraram. Neste meio século desde que foi gravada, a faixa entrou no cânone de canções de amor eterno e foi citada por Paul McCartney como a maior já escrita.
As décadas de louvor tornam ainda mais notável lembrar que a música foi inicialmente banida por estações de rádio no sul dos Estados Unidos. “God Only Knows” provocou um protesto após seu lançamento, enfurecendo aqueles que se incomodaram com o uso do nome do Senhor no título de uma música pop, considerando isso uma blasfêmia.
Mas isso não poderia estar mais longe da intenção de Wilson. Como compositor, o divino tomou conta de todo o seu trabalho. “Eu acredito que a música é a voz de Deus”, ele explicou uma vez.
Para o álbum de Natal do The Beach Boys em 1964, Wilson organizou uma versão coral de “The Lord’s Prayer” e seu projeto de 1967, SMiLE – que ficou conhecido como sua “sinfonia adolescente para Deus” –, abriu com “Our Prayer”, um hino sem palavras remanescente dos cantos gregorianos. Mas o espírito foi mais notável para em obra de 1966. “Quando eu estava fazendo o Pet Sounds, tive um sonho sobre uma auréola sobre minha cabeça, mas as pessoas não conseguiam vê-la”, disse ele em 1996. “Deus estava conosco o tempo todo que estávamos fazendo esse registro. Deus estava ali comigo”.
As sessões de composição para o álbum começaram logo após o Dia de Ano Novo, em 1966, quando Wilson convocou um redator publicitário chamado Tony Asher (que anteriormente escreveu slogans para Gallo Wine) para servir como seu letrista. As colaborações assumiram a forma de conversas sobre a vida, o amor e a perda. Foi uma dessas discussões abstratas que levaram à gênese de “God Only Knows” (“Só Deus Sabe”), que compara a fé necessária para se submeter a um poder superior à fé necessária para entregar o coração ao amor. “Essa foi uma visão que Tony e eu tivemos”, lembrou Wilson. “É como estar cego, mas na cegueira você pode ver mais. Você fecha seus olhos; você pode ver um lugar ou algo que está acontecendo”.
Quando a melodia floresceu, Asher estava apreensivo com suas contribuições líricas. “Quantas músicas de amor começam com a linha, ‘I may not always love you’ (‘eu posso não te amar sempre’)?”, ele pensou mais tarde. O tempo mostrou que a incerteza do verso de abertura é parte de seu gênio, oferecendo uma característica brutal e honestamente incomum ao hino romântico. Apresentar dúvidas só serviu para acentuar as exaltações posteriores e iluminar a bravura inerente de quem opta por acreditar.
A música floresceu rapidamente, mas o título não saía. De acordo com Asher, ele e Brian “tiveram longas conversas durante a escrita de ‘God Only Knows’, porque a menos que você fosse Kate Smith e você estivesse cantando ‘God Bless America’ (‘Deus abençoe a América’), ninguém pensou que poderia dizer ‘Deus’ em uma música. Ninguém tinha feito isso, e Brian não queria ser a primeira pessoa a experimentar isso. Ele disse: ‘Nós nunca conseguiremos tocar nas rádios’. Não é incrível que pensássemos isso?”. Rovell tinha reservas semelhantes. “A primeira vez que ouvi, Brian tocou para mim no piano. E eu pensei: ‘Oh meu Deus, ele está falando de Deus em uma música’. Foi muito ousado para mim”, disse ela em 1996. “Eu pensei que era quase demasiado religioso – muito quadrado naquele momento. No entanto, foi tão bom ele dizer isso e não se intimidar com o que qualquer outra pessoa pensaria. Ele não teve medo de mostrar ao mundo quão sensível e espiritual ele era”.
Quando chegou a hora de gravar a música, Wilson pediu a seu irmão mais novo, Carl, que até então raramente liderava a banda, para fazer as honras. “Eu pensei que eu mesmo faria isso… mas quando terminamos de criar a música, eu vi que meu irmão Carl provavelmente poderia transmitir a mensagem melhor do que eu”, disse Wilson pouco depois do lançamento. “Eu estava procurando uma ternura e uma doçura que eu sabia que Carl tinha tanto em si quanto em sua voz”. Uma vez descrito por Wilson como “a pessoa mais verdadeiramente religiosa que eu conheço”, Carl falava sobre a fé compartilhada do grupo. “Nós acreditamos em Deus como uma espécie de consciência universal”, declarou em 1966. “Deus é amor. Deus é você. Deus sou eu. Deus está bem aqui nesta sala. É um conceito espiritual que inspira muito a nossa música”.
Nas gravações, os irmãos costumavam se reunir no estúdio para breves sessões de oração. “Nós oramos juntos e pedimos luz e orientação através do álbum. Nós fizemos uma cerimônia religiosa”, disse Wilson. Carl lembra-se de pedir “orientação para fazer os sons mais curiosos”. À medida que os anos se tornaram marcados pelos traumas que definiriam os turbulentos anos sessenta, o normalmente reservado Wilson se atirou em sua música com um fervor quase evangélico, desesperado por obter sua mensagem de positividade para o público. “Estávamos tentando capturar o amor espiritual que não poderia ser encontrado em nenhum outro lugar do mundo”, ele afirmou no contexto do 30º aniversário do álbum Pet Sounds. “Pensamos que nós tivemos esse amor”. As gerações de fãs acreditam que sim.
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