sábado, 2 de junho de 2018

'Espião do Exército' William Botelho, o Balta, entra na mira do MPF

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Procurador investiga se militar cometeu falsidade ideológica e usurpação de função pública ao se infiltrar em grupos de militantes e qual foi o papel do Exército.
Botelho na foto em que se exibia como Balta, no Tinder e, à direita, vestido com traje militar
Botelho na foto em que se exibia como Balta, no Tinder e, à direita, vestido com traje militar (Reprodução)
Por Fausto Salvadori

A sorte pode estar mudando para o major William Pina Botelho,  o oficial de inteligência do Exército que, sob a identidade falsa de  Balta Nunes, atuou como infiltrado em movimentos sociais ao longo de  pelo menos dois anos, mentindo e assediando mulheres, e que, em 4 de setembro de 2016, envolveu-se na controversa detençãode 18 jovens e três adolescentes antes de uma manifestação Fora Temer, no CCSP (Centro Cultural São Paulo).

Desde que teve sua atuação exposta, em reportagem da Ponte e também do El País, em 2016, o militar escapou ileso  de todos os procedimentos que se aproximaram de investigar sua atuação —  no Ministério Público Estadual, na Procuradoria de Justiça Militar, na  Câmara dos Deputados e no próprio Exército. Mas isso pode mudar. É que a  7ª Câmara de Coordenação e Revisão (Controle Externo da Atividade  Policial e Sistema Prisional), da Procuradoria Geral da República, em  Brasília, decidiu ressuscitar uma investigação a respeito de Botelho que  caminhava para o esquecimento.

A investigação havia sido aberta, ainda em 2016, pela Procuradoria da República em São Paulo, a pedido da 7ª Câmara, com base nas reportagens publicadas por Ponte e El País.  Mas avançou pouco: a procuradora Cristiane Bacha Canzian Casagrande,  encarregada do procedimento investigatório criminal, concluiu que não  havia indícios de crime por parte do militar e, no ano passado, pediu o  arquivamento.

Os procuradores de Brasília, contudo, não aceitaram o pedido de  arquivamento e devolveram o procedimento para a Procuradoria paulista.  Em 19 de fevereiro deste ano, a investigação foi parar na mesa do  procurador da área criminal Marcos Angelo Grimone, que decidiu retomar o  caso.

Em entrevista à Ponte, Grimone afirma que investiga a  possibilidade de o major Botelho ter cometido os crimes de falsidade  ideológica e usurpação de função pública. “Em tese, ele usou falsa  identidade e documentos falsos para se fazer passar por terceiro. Ele  também poderia ter cometido usurpação de função pública, porque um  oficial do Exército não tem poder de polícia”, afirma o procurador. A  pena para cada um dos dois crimes pode chegar a cinco anos de reclusão.

O Exército afirma que, na tarde de 4 de setembro de 2016, quando  Botelho se misturou a um grupo de manifestantes que se preparava para  participar de um protesto contra o presidente Michel Temer (PMDB) na  avenida Paulista, a atuação do militar estava coberta por um decreto federal  de 31 de agosto, que determinou a realização de uma operação de GLO  (Garantia da Lei e da Ordem) para a cidade de São Paulo, naquele dia,  por conta da passagem da tocha paralímpica. Segundo um documento  do Exército, enviado em resposta a questionamentos do deputado federal  Ivan Valente (PSOL), Botelho estava autorizado a desenvolver “atividades  de inteligência” pelo decreto de GLO, que dá poder de polícia aos  militares.

O procurador Grimone, porém, afirma que o decreto de GLO não poderia  valer para as atividades de Botelho. “Ele se passou por um terceiro, o  que poderia ser uma atividade policial de infiltração, que não é  permitida pela GLO. É uma coisa fora do figurino. E, ainda que houvesse  essa possibilidade, uma infiltração só pode ser feita com autorização  judicial”, afirma. Atividades de infiltração só podem ser realizadas em  organizações criminosas, com conhecimento prévio da Justiça e do  Ministério Público – e nada disso ocorreu no caso de Botelho.

Além da possibilidade de resultar numa ação criminal, o procurador  afirma que a investigação também poderia – sempre “em tese” – recomendar  a instauração de uma ação civil de improbidade administrativa, que, em  caso de condenação, poderia levar à perda do cargo.

Quem deu a ordem?

A investigação também pode ir além de Botelho e seu alter ego Balta.  “Agora preciso saber se ele se fez passar por outra pessoa agindo em  nome do Estado brasileiro. É essa investigação que estamos fazendo”,  afirma. Se ficar provado que agiu sob ordens do Exército, “em tese, os  superiores poderiam ser responsabilizados, porque existe a cadeia de  comando”.

Os superiores de Botelho sempre deixaram claro que o então capitão, hoje major (ele foi promovido  “por merecimento” no Natal de 2016), agiu seguindo ordens do Exército.  O comandante da 3ª Companhia de Inteligência, tenente-coronel Edgard  Brito de Macedo, superior imediato do militar, confirmou que havia dado  ao subordinado a missão de “acompanhar as atividades de possíveis  agentes identificados como perturbadores da ordem pública” naquele 4 de  setembro. Macedo prestou depoimento em duas oportunidades sobre o  tema: para uma sindicância do Exército e para um procedimento investigatório preliminar da Procuradoria de Justiça Militar em São Paulo, do Ministério Público da União. Os dois procedimentos terminaram arquivados.

Desde que assumiu as investigações do caso, o procurador ouviu em  depoimento parte dos jovens detidos em frente ao CCSP, policiais  militares que participaram da prisão e atualmente aguarda o envio de  documentações do Exército e pela Justiça criminal paulista. Ele  descartou, por enquanto, o possível envolvimento direto do militar na  ação da Polícia Militar que levou à prisão dos 18 jovens no CCSP.  “Segundo o relato dos próprios policiais, houve a detenção dos  manifestantes independente desse agente provocador”, diz.

A última pessoa que Grimone pretende ouvir é o próprio Botelho. Para  tomar o depoimento do militar, o procurador precisará ir até Manaus  (AM), já que o major foi transferido para o Comando Militar da Amazônia.

Os 18 do Centro Cultural

O procurador Grimone não é o único que pretende ouvir Botelho em  Manaus. O depoimento do major é o único item que falta para encerrar a  fase de instrução do processo contra os 18 jovens detidos no CCSP.  Depois de diversas remarcações, o militar deve ser ouvido no Fórum  Ministro Henoch da Silva Reis, em 29 de junho. A defesa quer que o  depoimento ocorra por teleconferência, mas afirma estar encontrando  dificuldades.

A ideia de ouvir Balta/Botelho é algo que divide os defensores dos  jovens. Parte dos advogados dos réus é contra, por acreditar que o  depoimento do major é imprevisível e poderia prejudicar a defesa. Um dos  advogados comentou que considera a atuação do infiltrado “politicamente  escandalosa, mas juridicamente irrelevante” para o caso dos  réus.  Outros defensores pensam o oposto e, com base no envolvimento do  Exército na prisão dos jovens, levantam a possibilidade de deslocar a  competência do caso para a justiça federal.

Dos réus, 17 eram manifestantes que se preparavam para participar de  um protesto contra o presidente Temer. Outro é um estudante de  jornalismo que havia ido à biblioteca do CCSP para pesquisar um livro  sobre vinil e acabou preso junto com os demais.

No dia seguinte à prisão dos jovens, em 5 de setembro de 2016, o juiz  responsável pela audiência de custódia dos suspeitos considerou a  detenção ilegal e determinou o relaxamento da prisão, comparando o comportamento da polícia no episódio à ditadura militar.

O promotor Fernando Albuquerque Soares de Souza, porém, levou a sério  o relatório do inquérito conduzido pelo delegado do Deic (Departamento  Estadual de Investigações Criminais) Fabiano Fonseca Barbeiro. Para o  delegado e o promotor, os jovens haviam se reunido com o objetivo de  destruir patrimônio público e privado e de ferir policiais militares.

Os 18 jovens foram denunciados por associação criminosa e corrupção  de menores. Entre as provas apreendidas pela Polícia Civil, estão  equipamentos de primeiros socorros, vinagre, máquinas fotográficas,  celulares, um chaveiro do Pateta, um disco metálico e uma barra de ferro  – que os manifestantes afirmam ter sido “plantada” por policiais  militares.

No MP Estadual, outro arquivamento

Quando os jovens foram presos, dois relataram que foram agredidos  pela Polícia Militar: um levou um soco nas costelas e uma adolescente  foi “arrastada pelo pescoço”. O Ministério Público Estadual de São Paulo  abriu um procedimento investigatório criminal para apurar a conduta dos  policiais civis e militares envolvidos na detenção, a cargo do promotor  Antônio Benedito Ribeiro Pinto, do Gecep (Grupo de Atuação Especial de  Controle Externo da Atividade Policial), e do promotor Marcelo Alexandre  Oliveira, da Promotoria da Justiça Militar.

A investigação não deu em nada. Em 22 de fevereiro deste ano, o MP  paulista determinou o arquivamento dos autos, dizendo: “não há indícios  suficientes de ilícito criminal praticado por policiais militares a  ensejar adoção de providências”.

Embora houvesse o depoimento de um jovem relatando ter sido esmurrado  e de outro dizendo ter testemunhado a agressão, os promotores  consideraram que não havia “indícios suficientes a autorizar a  requisição de inquérito policial para apuração de eventual crime de  tortura ou maus tratos”. Também apontaram que a agressão não foi  registrada pelas câmeras do Centro Cultural São Paulo e que o laudo de  exame de corpo de delito “concluiu pela inexistência de lesões corporais  de interesse médico legal”. Segundo os promotores, a adolescente  arrastada pelo pescoço não foi encontrada para confirmar as agressões.

O Legislativo também tentou entrar no ‘Caso Balta’, em 2016, quando a  Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados pediu  a convocação dos  ministros da Justiça, da Defesa e do Gabinete de Segurança  Institucional para apurar as denúncias envolvendo o militar. O  requerimento nem chegou a ser votado.


A Ponte Jornalismo

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