segunda-feira, 27 de agosto de 2018

'Desprivatizar' Jesus

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A Igreja, como instituição religiosa, deu-se num processo histórico, por força dos que vieram depois de Jesus.
A universalidade à qual o cristianismo deve se interessar é a da salvação e não da Cristandade, porque, definitivamente, não são sinônimas.
A universalidade à qual o cristianismo deve se interessar é a da salvação e não da Cristandade, porque, definitivamente, não são sinônimas. (Reprodução/ Pixabay)
Por Felipe Magalhães Francisco*

Jesus era judeu. Essa é uma constatação óbvia e, o óbvio, muitas vezes, é aquilo que não se vê. Entretanto, há uma insistência praticamente silenciosa, que nos faz crer que, para muitos, Jesus era cristão. O problema dessa compreensão errônea é quando leva os cristãos e cristãs a buscarem exclusividade, quando o assunto é Jesus. Há toda uma teologia em dizer que Jesus Cristo fundou a Igreja. Essa teologia, no entanto, não deve ser entendida sem mais. Estritamente, Jesus anunciou o Reino e reuniu um grupo de seguidores e seguidoras para fazer coisas maiores que as que ele fazia (cf. Jo 14,12).

Há, nesse sentido, um valor eclesial, comunitário, na prática de Jesus. Dessa maneira, dizer que Jesus fundou a Igreja – no sentido do termo, povo convocado – é correto. Mas a Igreja, como instituição religiosa, deu-se num processo histórico, por força dos depois de Jesus. Ele, mesmo sendo judeu, frequentador das sinagogas e do Templo, conhecedor profundo da Lei, relativizou, em muito, a religião. Relativizar a religião era, na prática de Jesus, um pressuposto para fazer valer o mais importante: o querer do Pai, isto é, o Reino de justiça e amor.

Ter isso em mente é fundamental para os cristãos e cristãs. Sobretudo nesses tempos reacionários em que a religião, como instituição, tem sido mais reforçada que a mensagem que ela precisa comunicar. A finalidade da missão cristã não é a religião, mas o Reino. Fora do Reino, o cristianismo instituído não tem razão de ser. Nesse sentido, pensar a dimensão universalizante do cristianismo precisa ser não em sentido proselitista. A missão evangelizadora cristã precisa ser propositiva: é o Reino que anunciamos e semeamos.

A universalidade à qual o cristianismo deve se interessar é a da salvação e não da Cristandade, porque, definitivamente, não são sinônimas. E a salvação, importa dizer, é pura graça divina. Graça que é uma pessoa: Jesus Cristo. Crer que a universalidade da salvação se encontra na pessoa de Jesus Cristo não deve nos levar à conclusão de que todos e todas devem se tornar cristãos para serem salvos. O Espírito sopa onde quer (cf. Jo 3,8) e nós não devemos extinguir o Espírito (cf. 1Ts 5,19).

Jesus Cristo não é propriedade dos cristãos e cristãs. Ele é oferta de amor do Pai para a salvação do mundo. E como dom salvífico universal, as sementes do Verbo encarnado estão presentes nas culturas de modo que até mesmo os cristãos e cristãs desconhecem. Enquanto há pessoas que trilham o caminho da humanização, o Filho de Deus continua a se encarnar na história. Nesse sentido, cristãos e cristãs deveriam se abrir ao diálogo com a cultura, para nela encontrar os sinais da presença do Verbo. Mais que vociferar, contrários, ao uso artístico da imagem de Jesus, por exemplo, cristãos e cristãs deveriam se abrir à possibilidade de, ali, reconhecer traços da Revelação. Muito mais interpelador descobrir o Evangelho no rosto de uma transexual que se apresenta como Jesus, numa peça de teatro, que numa imagem de um homem branco, de cabelos loiros e olhos azuis.

Jesus Cristo é um símbolo universal. Trata-se de uma pessoa admirada em todo o mundo, por pessoas de diversas religiões, bem como por ateus. Cristãos e cristãs não devem se portar como fiscais da imagem de Jesus. Afinal, muitas vezes a pessoa de Jesus Cristo é, infelizmente, desconhecida por muitos que se dizem cristãos. Dialogar é, sem dúvidas, a postura que seria assumida por Jesus e que, por isso, deve ser a nossa postura. Dialogar para descobrirmos traços desconhecidos do Rosto de nosso Mestre e Senhor. Deixemos, pois, de privatizar Jesus.

*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.

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