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Trata-se de um direito da personalidade intransmissível, irrenunciável e indisponível.
Ninguém pode ser constrangido a permitir qualquer ato sobre seu corpo que não seja consentido. (Pixabay)
Por Renato Campos Andrade*
O corpo humano integra o patrimônio das pessoas, ao menos no sentido vulgar da palavra, visto que, juridicamente, o patrimônio reúne apenas os bens e direitos dotados de conteúdo econômico. Nesse sentido, é senso comum que ninguém pode ser constrangido a permitir qualquer ato sobre seu corpo que não seja consentido. Isso se dá em situações simples, como uma tatuagem, mas também em casos mais extremos e graves, a exemplo de procedimentos cirúrgicos, exames e transfusões de sangue, etc.
Ao se negar a fazer um exame de sangue, como nos casos de investigação de paternidade ou para aferir grau alcóolico, a pessoa exerce a defesa do direito de integridade física e inviolabilidade do corpo humano. Contudo, nesses casos, a lei realiza presunções (raciocínio pelo qual de um fato conhecido se extrai um desconhecido) de paternidade e embriaguez que podem ser afastadas mediante produção de prova em contrário.
A integridade física integra os direitos da personalidade e está devidamente descrita no Código Civil:
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.
Trata-se de direito intransmissível e irrenunciável, portanto, indisponível.
No artigo Os limites da proteção do direito da integridade física, a advogada, graduada em Direito pela Dom Helder Escola de Direito, pós-graduanda em Advocacia Cível, Marcela Taís de Freitas Muniz, explica que os direitos fundamentais podem ser classificados como: a integridade física, que equivale ao direito à integridade corporal como um todo; integridade intelectual, que corresponde aos direitos de expressão do intelecto, como a religião e a autoria de obras; e integridade moral ou psíquica, que abrange a proteção dos direitos subjetivos da pessoa.
Ela esclarece que o Direito tutela o corpo físico do titular, vivo ou morto, e que não se pode dele dispor quando resultar em diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes, salvo por exigência médica e cita o caso do “Ken humano”, que já se submeteu a mais de 50 cirurgias plásticas sem necessidade médica. Segundo ela, só haverá interferência estatal na esfera particular em casos extremos, como na hipótese de doenças altamente transmissíveis. No que se refere à inviolabilidade, Marcela Muniz afirma que aquele que, com culpa ou dolo, causar lesão corporal, com sequelas permanentes ou não, deverá reparar pelos danos estéticos causados.
Fica claro que a integridade física é um desdobramento do direito à vida e possui diversas repercussões jurídicas. É absolutamente permitido que a pessoa, com discernimento para tal, antecipe algumas de suas vontades caso tenha que se submeter a tratamentos médicos em algum momento da vida, como se pode verificar no artigo Autonomia privada e testamento vital: diretrizes antecipadas de vontade, do procurador do município de Belo Horizonte, advogado, professor de Direito Civil da Dom Helder Escola de Direito, mestre em Direito Ambiental e Sustentabilidade pela mesma instituição de ensino, e especialista em Advocacia Pública, Paulo Antônio Grahl Monteiro de Castro.
De acordo com ele, “a ideia de diretivas antecipadas de vontade está em total harmonia com o movimento de constitucionalização do Direito Civil, pois decorre, sobretudo, do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição). Representa, além disso, o direito da pessoa à morte digna (que deriva, sobretudo, do próprio direito à vida digna e do princípio da dignidade da pessoa humana)”.
Paulo Castro ressalta que as diretivas antecipadas de vontade consubstanciam, igualmente, em instrumento relevante na relação entre médico e paciente, a qual se funda, sobretudo, no princípio da boa-fé objetiva (treu und glauben), que estabelece os deveres anexos a serem ali observados, dentre os quais se destacam lealdade, correção, informação e sigilo.
Será possível ir além e antecipar o fim da vida? Para responder a esta pergunta é preciso diferenciar alguns institutos: eutanásia, ortotanásia, distanásia e suicídio assistido. No artigo O processo de morte digna como parte do direito à vida, a advogada, pós-graduada em Direito Público e Filosofia Contemporânea, mestre em Sociologia e Direito, Simã Catarina de Lima Pinto, frisa que o suicídio assistido, “embora se assemelhe à eutanásia, com ela não se confunde, na medida em as razões que podem levar a um suicídio assistido são também a dor e o sofrimento prévios, mas sua prática pressupõe que seja a própria pessoa quem pratica o ato, razão pela qual se dá o nome de ‘suicídio’ assistido, auxiliada por terceiro, diferentemente da eutanásia a qual somente um terceiro realiza o procedimento na pessoa”.
Conforme ela, a ortotanásia, que é deixar o processo da morte seguir seu curso natural, o que significa dignificar esse processo, por ser parte inerente à vida, é o único desses procedimentos que encontra previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro. “O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana deve ser sempre uma diretriz para todo e qualquer caso a ser analisado (...). No processo de morte, a dignidade e a vontade da pessoa que está passando por ele devem ser considerados antes de quaisquer outras questões, observadas as possibilidades que existem tanto na Constituição quanto no código que trata do assunto. A vida humana, embora seja o valor maior previsto constitucionalmente, deve ser respaldada pelo pressuposto da dignidade e da autonomia da vontade da pessoa diretamente afetada”.
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*Renato Campos Andrade é advogado, professor de Direito Civil e Processo Civil da Dom Helder Escola de Direito, mestre em Direito Ambiental e Sustentabilidade, especialista em Direito Processual e em Direito do Consumidor.
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