segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Nós, os vencedores de 2018

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Vencemos, afinal. Não nas urnas; não no pleito eleitoral.
A esperança é mesmo equilibrista. Tudo apontava para a derrota. Ainda assim, tantas pessoas se mobilizaram.
A esperança é mesmo equilibrista. Tudo apontava para a derrota. Ainda assim, tantas pessoas se mobilizaram. (Pixabay)
Por Felipe Magalhães Francisco*

Não, eu não votei, em nenhum dos dois turnos, em Jair Messias Bolsonaro. Logo, pela lógica, o título deste artigo deveria ser: “Nós, os perdedores de 2018”. Sobre perdas, já tenho escrito muito neste espaço, nas últimas semanas. Vigorou o discurso de ódio e violência nas urnas, infelizmente, do meu ponto de vista de análise. Aos cidadãos e cidadãs, partidários e contrapartidários ao presidente eleito, bem como a todos os outros eleitos e eleitas, o compromisso com o acompanhamento crítico dos mandatos. Essa é nossa responsabilidade num sistema político de governo que ainda se configura democrático.

Contudo, é sobre outra vitória que quero falar. Quem imaginaria que, inertes como estávamos, politicamente, iríamos ver tamanha mobilização democrática, na busca por defender valores – verdadeiros valores, importa dizer – tão caros aos nossos ideais de democracia e humanidade? O mais bonito, nessa mobilização, não foi o encontro das massas – que, certamente, tem seu valor. Mas redescobrimos um jeito humanizador de falar de política: o diálogo olho no olho; a conversa pautada no afeto; a proposição sensível aos anseios e valores que cada um e cada uma trazem consigo.

A esperança é mesmo equilibrista. Tudo apontava para a derrota. Ainda assim, tantas pessoas se mobilizaram, em tantas frentes, para propor diálogo. A campanha do vira-voto foi linda: todos os lugares eram lugares de diálogo. Dialogar com quem estava disposto foi um caminho pedagógico pertinente. A eleição, afinal, foi vencida pelo lado que tentávamos não tornar possível que vencesse. A esperança foi frustrada? Talvez. Mas a esperança é mesmo equilibrista: irrealizada num ideal, ela tem lugar em outros tantos. Com a esperança que carregávamos nos últimos dias, acreditando na possibilidade de uma virada, plantamos a semente da redescoberta da utopia. Quanta falta nos faz utopia: o sonho de um lugar possível! Que a direita esclarecida e as esquerdas se reconstruam, a partir desse lugar!

Vencemos, afinal. Não nas urnas; não no pleito eleitoral. Mas o balanço é positivo: quantas pessoas conseguimos sensibilizar para a perspectiva de um ideal político mais humano? Vencemos, porque não cedemos à mentalidade maniqueísta daqueles que se cegaram ao seguir, sem critérios, aquele que tomaram por “mito”. Mantivemos nossa perspectiva de que a sociedade é complexa e que não se reduz a “cidadãos de bem” e “petistas corruptos”. Compreendemos que a disputa não era entre o “bem” o “mal”. Discernimos bem os riscos aos quais estávamos sendo submetidos, diante de tal candidatura. Ser oposição, num cenário tal e qual se desenha em nosso horizonte imediato, é uma bênção. Com as mãos limpas, como estamos, podemos estar a postos para reconstruir um caminho político saudável, inclusive na acolhida solidária daqueles e daquelas que tomarão consciência – cedo ou tarde – de uma escolha irresponsável.

Sabemos, bem, que o caminho será árduo. Não podemos romantizar nossa resistência. Mas a maior resistência que podemos fazer é vivermos com alegria, mesmo diante do medo, da preocupação, da perseguição. Somos vencedores, ainda que derrotados: fizemos a opção por uma consciência pautada no amor e no compromisso com as liberdades. Isso nos distanciou de muitas pessoas, não por questão política, como tentam dizer, mas por compreensão do que é mesmo ser humano e dos valores que isso pressupõe. Tal consciência também nos aproximou de tantas outras: eis o momento de fortalecer nossos elos. Essa é a hora de colhermos os maravilhosos e doces frutos dessa luta que travamos: a convivialidade com aqueles e aquelas que carregam a bandeira do amor e da liberdade será nossa maior prova de que vencemos. O ódio nos cerca e já faz suas vítimas. Mas não deixamos a ele a palavra final. Celebrar a alegria será nossa maior resistência. Protejamo-nos uns aos outros, de tudo aquilo que agora nos ameaça com o respaldo das urnas e com a obstinação do Estado. Mas protejamo-nos com alegria, com convivialidade. Afinal, o terror não se mantém diante da alegria; e o ódio se dissipa frente a celebrativa união.

*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.

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