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É hora de trabalhar, dar visibilidade aos invisíveis, humilhados e injustiçados!
Ativistas, grupos culturais e religiosos comemoram hoje o Dia da Consciência Negra com várias atividades em frente à estátua de Zumbi dos Palmares, no centro do Rio de Janeiro. (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Por Élio Gasda*
Não, querido Mateus, não somos todos irmãos e nem iguais! Dos anos 80 dC até hoje, muito se passou, muito aconteceu, mas, acredite, mudamos muito pouco! Escribas e fariseus continuam entre nós, gostam dos lugares de honra, dos primeiros assentos e adoram ser saudados nas praças públicas! Dizem, mas não fazem! São Insensatos e cegos! O que mais importa é o ouro! Nossa Casa está deserta! Deserta! Seca de amor, respeito, igualdade. Mais de dois mil anos se passaram e homens e mulheres não compreenderam que somos todos de uma mesma raça: a humana!
A violência está estruturada em nossa sociedade. O “sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos...” (Papa Francisco). A violência tem rosto: mulher, pobre, trabalhador e negro. Negros, desafortunados! Foram escravizados, segregados. É bem verdade que eles já ocupam as universidades, cargos de chefia, são juízes e até conquistaram a presidência de um país de “primeiro mundo”. Mas o cenário ainda não é nada bom! O continente africano que o diga!
A África, composta por 54 países, tem população estimada em 1,2 bilhões de pessoas. De acordo com a ONU o continente tem 29 países com o menor nível de desenvolvimento humano. Se o assunto é refugiados somam 6,3 milhões pelo mundo. Dificuldades econômicas, problemas estruturais, carência na educação e saúde. Nove em cada dez portadores do vírus HIV no mundo estão na África. Subnutrição, fome, analfabetismo e baixa expectativa de vida maltratam a população.
Da África vieram antepassados de muitos da minha nação: Brasil. Aqui, durante 358 anos foram escravizados, explorados, açoitados! Foram utilizados na agricultura, mineração e nas atividades domésticas. Essenciais para a manutenção da economia. A escravidão foi abolida oficialmente no Brasil há exatos 130 anos, mas o trabalho compulsório e tráfico de pessoas continuam existindo. É a chamada escravidão moderna. O país até foi condenado por uma corte internacional por este crime contra a humanidade, mas um ano depois, em 2017 um governo golpista, contrariando diversas convenções, dificultou a fiscalização e a divulgação dos empresários que cometem o delito.
O negro liberto foi desprezado! Até hoje abandonado à própria sorte e às desigualdades da escravidão: “mais de um terço da população é explorada pela classe média e pela elite do mesmo modo que o escravo doméstico: pelo uso de sua energia muscular em funções indignas, cansativas e com remuneração abjeta. Em outras palavras, os estratos de cima roubam o tempo dos de baixo e o investem em atividades rentáveis, ampliando seu próprio capital social e cultural (com cursos de idiomas e pós-graduação, por exemplo) e condenando a outra classe à reprodução de sua miséria” (Jessé de Souza).
No Brasil, o negro não é tratado como semelhante, mas como um ser inferior e diferente.
Racismo! Essa é a total prova de ignorância: acreditar que uma pessoa é melhor que a outra por causa da cor da pele. E olha que a grande maioria da população se declara cristã. Mas os números assustam. A maior parcela de desempregados é negra: 63,7% do universo de 13,7 milhões de uma população ativa desocupada (IBGE). Os postos de trabalho são os piores e os salários são em média quase a metade que recebe um branco: R$ 1.531 é o salário de um negro contra R$ 2.757 de um branco. A taxa de analfabetismo é maior: 11,5% de negros e 5,2% de brancos. Os negros são 71% das vítimas de homicídios. A cada 12 minutos, uma pessoa negra é assassinada. 75% da população carcerária é de pessoas negras. Faltam políticas públicas!
Criaram o dia da Consciência Negra, 20 de novembro. Justa homenagem a Zumbi dos Palmares, líder quilombola que lutou até à morte, em 1695, pela libertação dos escravos. Representante da Resistência negra! A data é oportunidade de reflexão sobre a influência cultural do povo africano na cultura brasileira, sobre as consequências do racismo. Também uma afirmação da consciência política, de pertença racial e de reivindicar direitos para a população afro-brasileira.
A data só tem sentido se afirmar ideias de dignidade para todas as pessoas. Reparar os danos da escravidão e do racismo principalmente em tempos sombrios, em um país que mostrou sua cara ao eleger um presidente que apregoa a violência e a intolerância. Racista declarado! Eleito com apoio dos cristãos!
Uma morte tornou-se emblemática: capoeirista, mestre “Moa do katendê”. Assassinado a facadas por um eleitor de Jair Bolsonaro, após ter declarado voto no candidato do Partido dos Trabalhadores. Outra morte! Marielle Franco: mulher, negra, mãe, LGBT, sua morte no início do ano simboliza o vínculo entre violência e racismo! Seu legado? A luta pelos direitos humanos. A ordem será matar quem pensa diferente? Quem luta por direitos?
É hora de trabalhar, dar visibilidade aos invisíveis, humilhados e injustiçados! “O amor se manifesta mais nas obras do que nas palavras” (Santo Inácio de Loyola), então o momento é de ação pacífica, de denúncia, de criar um mundo justo. “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas!”(Mt 23,13).
*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).
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