domingo, 19 de maio de 2019

A sacralidade do corpo humano

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O humano se adapta, se aperfeiçoa, aprende miríades de movimentos, meios de comunicação verbal, ou por sinalizações.
Mas, a dessacralização ocorre também no que fazem ao corpo
Mas, a dessacralização ocorre também no que fazem ao corpo (Pixabay)
Por Evaldo D' Assumpção*

O humano, como quase todos os seres do reino animal, tem seu corpo formado a partir do encontro de duas células microscópicas: o óvulo da fêmea, e o espermatozoide do macho. Nisso, quase todos se igualam. Contudo, as características levadas por essas células germinais diferenciam cada espécie, sendo que as dos humanos carregam detalhes que lhes são exclusivos e os distinguirão de todas as demais criaturas. Muito além das formas corporais, seu cérebro levará incalculável carga de “informações”, bem como a capacidade de aprender com tudo o que irá vivenciar durante sua vida, superando os demais seres vivos. Nenhum outro se iguala a ele.

Completada a sua formação no útero materno, o humano iniciará sua jornada extrauterina, desenvolvendo-se, crescendo e adaptando-se à nova condição. Se nos fosse possível contemplar o que se passa ininterruptamente em cada uma de suas células, em cada um dos seus órgãos em formação e desenvolvimento, certamente ficaríamos estarrecidos com as reações físico-químicas, muitas ainda desconhecidas pela ciência moderna, bem como suas consequências no corpo e mente em desenvolvimento. Por mais que laboratórios ultrassofisticados, cientistas altamente capacitados, pesquisem e trabalhem, até hoje não conseguiram (será que um dia conseguirão?) reproduzir a totalidade desse conjunto harmonioso que constitui o corpo humano.

Inserido numa sociedade complexa, interagindo com milhares de outros semelhantes, o humano se adapta, se aperfeiçoa, aprende miríades de movimentos, meios de comunicação verbal, ou por sinalizações, adquire emoções que somente seu corpo e mente podem experienciar e expressar. Seu corpo é o seu meio de mobilização, tanto quando o de expressão dos seus sentimentos, dores, angustias, amor e ódio, dúvidas e crenças, tantas coisas conflitantes entre si, mas que lhe são próprias. Qualquer ser vivo sente dor, mas somente o humano questiona por que sofre; inúmeros animais enxergam a paisagem ao seu redor, mas somente o humano consegue sensibilizar-se com um nascer do sol entre as montanhas, com a lua que desperta na linha do horizonte, sobre o mar que a reflete nas ondulações suaves de suas águas. Só o humano interrompe suas atividades para escutar o canto dos pássaros nas árvores, verdes ou floridas, que abrem seus braços diante de sua janela. Só o humano compõe uma 9ª. Sinfonia, Cantatas, Adágios e Concertos; só o humano faz uma Capela Sistina, reproduz David em mármore, grava uma indecifrável Mona Lisa, nos comove com o Lago dos cisnes. A lista da produção exclusivamente humana é infindável, e tudo é produzido com e pelo seu corpo-mente. 

Diante do exposto, acredito que não haja dúvidas sobre a sacralidade do nosso corpo. Poderia ir muito além, se penetrasse nas questões espirituais, que reputo inseparáveis, descrevendo algumas das inúmeras citações do humano como habitação do Espírito Divino, tão bem representada pela metáfora bíblica de sua criação pelo sopro desse mesmo Espírito, que deu vida à estátua de barro. Mas isso demandaria aceitar a espiritualidade como parte do universo em que vivemos, o que não pretendo polemizar, pelo menos aqui e agora.  Fico pois, somente com as conceituações que pontuei, bastantes para as conclusões desse artigo.

Derrubadas as comportas éticas e morais que prevaleceram até os anos 60, começamos a perceber a progressiva dessacralização do corpo, que a cada dia foi-se expondo, mais e mais. Não como obra de arte como as antigas esculturas – seria hipocrisia, pretender afirmar isso, e será ingenuidade, acreditar nisso – onde o nu expressava a beleza das proporções e a harmonia das formas, ainda que para algumas mentes sórdidas, o erotismo já estava presente. Hoje, a exposição corporal se torna cada vez mais ampla, irrestrita e impudica, em qualquer lugar. E sem falsos moralismos, pode-se afirmar que o objetivo fundamental é o de excitar eroticamente as mentes, e estimular o desejo sexual. Como consequência, os relacionamentos tornam-se cada vez mais liberados e vulgares, chegando-se hoje, ao exagero de um casal se conhecer, e logo em seguida já estar transando. E ao se vestirem, questionam: “Como é mesmo o seu nome?”

Voltando à questão dos trajes, hodiernamente não há qualquer distinção entre a roupa para se ir a uma igreja, a uma balada, a um clube, a um funeral, ou para uma visita solene. Buscando valorizar seus encantos – mesmo quando eles não existem, ou nem tantos eles sejam – colocam-se roupas com amplas exposições dos seios e das coxas, além de delineações de formas pela utilização de tecidos aderentes, transparentes, convenientes. No lado masculino, perde-se a comodidade de roupas mais folgadas, para utilizar aquelas que exibem eróticos detalhes anatômicos, às vezes até artificialmente. Hoje não se usa, tampouco se conhece a palavra pudor, tão valorizada pelos nossos pais, pelos nossos antepassados.

Também as músicas atuais expõem o corpo de uma forma vulgar, utilizando nomes e alusões às suas partes mais íntimas, com pura utilização erótica, além da forma grosseira e debochada, para gáudio de quem muitas vezes nem sabe a que tais expressões se referem. Falo das crianças e adolescentes, precocemente estimuladas às danças e movimentos eróticos!

Mas, a dessacralização ocorre também no que fazem ao corpo, tais como mutilações, “piercings”, tatuagens indeléveis, malhação inconsequente e até de mau gosto, e cirurgias plásticas absurdas, tudo realizado sem noção dos riscos que se corre: complicações, deformidades intratáveis, e até o óbito. Sinais dos tempos, tristes tempos!

*Evaldo D' Assumpção é médico e escritor

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