quarta-feira, 3 de julho de 2019

A influência das religiões nos processos políticos

A visão de que a vida de Jesus não teve expressão política serve apenas a discursos que pretendem uma fé desencarnada, que Deus só se importa com o interior do humano.



É tarefa teológica sempre lembrar de que toda teologia é política.
É tarefa teológica sempre lembrar de que toda teologia é política. (Jonathan Simcoe/ Unsplash)
Por Fabrício Veliq*
As religiões sempre exerceram enorme influência na forma que as pessoas pensam o mundo e interagem com ele. Isso não é uma característica somente da atualidade, embora muitas pessoas pensem que seja. Se tomarmos as civilizações antigas, perceberemos que os aspectos religiosos sempre estiveram presentes e foram, não poucas vezes, usados para impelir à guerra, levantar e abater reis e rainhas.
O aspecto religioso sempre fez parte da vida das sociedades sobre as quais temos informações. Todas elas, em algum momento, definiram para si um escopo religioso e a partir dele, em muitos casos, definiram-se leis e a forma de viver de determinada comunidade.
Se tomarmos, por exemplo, o Antigo Testamento, é possível perceber que toda a comunidade judaica teve suas leis e suas formas de conduta ancoradas em um regime religioso. Javé, Deus de Israel, entregou a sua lei para o bem viver da comunidade, tendo também o aspecto religioso presente na forma como os sacerdotes tinham que oferecer seus sacrifícios para agradá-lo e fazer com que seu perdão e suas bênçãos viessem sobre seu povo.
Com o passar do tempo, porém, fruto dos diversos convívios que a comunidade de Israel foi tendo com as culturas em seu entorno, a forma de ver a exigência do sacrifício, bem como a forma da regulação de uma lei que não estava ancorada somente em seus aspectos religiosos foi se fazendo presente e sendo construída no meio da comunidade judaica, assim como em diversas comunidades antigas.
A questão de uma lei que não seja ancorada na questão religiosa começou a se fazer presente no Ocidente somente, pelo menos de maneira sistemática e mais consolidada, com o advento dos diversos movimentos republicanos e de humanismo cívico iniciado por Petrarca, por volta do século 14, movimento que pensava o humano como centro das repúblicas nascentes e o regime das leis como aquele que era marca característica de uma sociedade que se dizia livre.
Em tempos atuais, pode parecer que seja bastante conhecida a grande influência que os meios religiosos possuem na definição das agendas políticas, contudo, fruto de um movimento que visa fazer uma separação tácita entre aspecto religioso e aspecto político, essa influência passa despercebida por muitas pessoas, sendo até querida por parte daqueles e daquelas que exercem o poder na sociedade hodierna.
Como dissemos no início desse artigo, a influência religiosa sempre se fez presente nos aspectos políticos da sociedade. Até mesmo nos chamados movimentos humanistas e, posteriormente, nos estados que se laicizaram essa influência se fez e ainda se faz presente, definindo agendas políticas e ênfases nas pautas que são trazidas à sociedade.
Diante disso, a desvinculação entre teologia e política não deve ser vista como benéfica para a sociedade, antes como algo extremamente temerário. A separação que afirma que Jesus não se implicou politicamente, ou que o Deus da Bíblia não se preocupa com as questões políticas, mas somente com o interior do humano, com a salvação da alma e com a vida na glória, é extremamente perniciosa para a sociedade e tem como consequência um cristianismo desencarnado, que não se atenta às mazelas do mundo vivido e, consequentemente, não luta pela sua transformação.
Em outras palavras, essa separação somente é útil aos detentores e às detentoras do poder nas sociedades atuais que querem que seus fieis somente se preocupem em estar com alma limpa diante de Deus, porque a “nossa pátria não é desse mundo”. Ao fazerem isso, esses líderes geram pessoas apáticas para os problemas sociais, mas extremamente fervorosas para pautas conservadoras e enviesadas por leituras fundamentalistas e literais do texto bíblico. Isso, por sua vez, traz retrocessos enormes nas políticas públicas e nas questões de combate às desigualdades sociais, como hoje se vê em diversos lugares nos quais o fundamentalismo religioso se faz presente.
Assim, é tarefa teológica sempre lembrar de que toda teologia é política e precisa ser feita com os pés no chão, olhando para as realidades do mundo, buscando dar respostas teológicas ao invés de dogmáticas para as pessoas que sofrem na atualidade.
*Fabrício Veliq é protestante e teólogo. Doutor em teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE) e Doctor of Theology pela Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven). E-mail: fveliq@gmail.com

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