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Chico está no imaginário nacional há mais de meio século.
Chico está no imaginário nacional há mais de meio século. (AFP)
Por Ricardo Soares*
Eu estava fora do Brasil e achei muito significativa e justa a lembrança pelos 75 anos de Chico Buarque. O 19 de junho ressoou também na Córsega e, creio eu, em outros tantos pontos do planeta muito mais do que em anos passados talvez porque, desalentados, onde houver brasileiros com emoção à flor da pele haverá uma lembrança dessa coluna jônica de nossa identidade que é o autor de Construção, entre tantas outras maravilhas.
Muitos escreveram e falaram sobre ele, inclusive nas redes sociais, em bolhas distintas, como se precisássemos nos agarrar em tábua de salvação. Chico sim nos leva sem escalas a um país das delicadezas já perdidas. Foram muitas lembranças oportunas e surpreendentes, como a enviada por Cida Moreira, amiga cantora e superlativa interprete de Chico, que resgatou um documentário de Mauricio Berú. No elenco, amigos e parceiros de Chico, entre os quais a própria Cida que canta Geni e o zepelim. O ano era 1980 e Chico no alto dos seus 36 anos não só já era consagrado como já havia composto muitas das suas principais relíquias.
O assombroso talento de Chico segue passando por nossas janelas e o incluo naquele panteão de seres humanos que deveriam ser proibidos de morrer como Fellini, Tom Jobim, Garcia Márquez, Ariano Suassuna e outras maravilhas do mundo moderno. Chico está no imaginário nacional há mais de meio século. Desde que me conheço por gente vejo a banda dele passar pois já ouvia suas canções desde o jardim da infância quando atravessava a Via Anchieta levado pelas mãos de uma cautelosa vizinha.
Muitos querem e queriam ter o talento de Chico. Muitos homens quiseram ser Chico Buarque de Hollanda como bem lembrou uma remota crônica do finado jornalista e psicólogo Ruy Fernando Barboza. No entanto, Chico é paradoxalmente uno mas divisível nos representando em várias encadernações e não apenas as femininas.
Chego a pensar – sim, com preconceito – que quem não gosta de Chico bom sujeito não é. Muitos dos que o detestam estupidamente justificam por conta de suas opções políticas, como se o artista ter optado a esquerda não torna a sua obra mais do que direita com o perdão do infame trocadilho. Aliás, alguns dos detratores de Chico que conheço são artistas frustrados, infelizmente. Gente amarga que defende o tal liberalismo, o "deus-mercado" acima de tudo. Até das artes. Mas essa é outra prosa. A acrescentar apenas que, depois de Chico ser ofendido por playboys imbecis na saída de um restaurante há poucos anos, tive a impressão que alguma coisa estava definitivamente fora da ordem. Um país que ofende Chico é um país doente.
Se você, enfim, teve a paciência de ler até aqui a essa modesta crônica é porque como eu é admirador da obra do Chico. Vê nele a importância de um cultor da língua muito além da prosa e do verso. Eu também acho um privilégio ser contemporâneo de um caboclo que tão bem representa a época em que vivo. E sinto certo alívio em saber que, metaforicamente, posso sim segurar a mão dele e saber que aquilo que ele canta os meus males espanta numa época vil, torpe , sacripanta.
*Ricardo Soares é diretor de TV, escritor, roteirista e jornalista. Publicou oito livros, dirigiu 12 documentários.
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