sábado, 17 de agosto de 2019

Após três meses de escândalo, é hora do Supremo investigar Moro e Dallagnol

Paulo Moreira Leite
Paulo Moreira Leite é colunista do 247, ocupou postos executivos na VEJA e na Época, foi correspondente na França e nos EUA

"Após três meses de revelações gravíssimas da Vazo Jato, o STF deve optar entre assumir suas responsabilidades com o país ou assistir o país caminhar em direção à baderna institucionalizada", escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia

Por Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia - A cada novo diálogo da Vaza Jato, descobre-se que  instituições centrais do Estado brasileiro, capazes de interferir diretamente sem movimentos decisivos de nossa história, se encontram sob domínio crescente de decisões clandestinas e ilegais da Operação Lava Jato. 

Quase três meses depois da primeira entre inúmeras revelações gravíssimas, é hora de se perguntar o que o Supremo Tribunal Federal pretende fazer diante dos indícios de tamanha aberração no comportamento do então juiz Sérgio Moro e do chefe da força da tarefa, procurador Deltan Dallagnol. 

A escolha é saber se pretendemos recuperar os escombros do Estado Democrático de Direito  ou se é o plano é fingir que, como numa peça do teatro do absurdo, ninguém é capaz de notar a presença de um rinoceronte no meio da sala de visitas do sistema de justiça. 

Pelo menos desde de 2014, quando se noticiou a primeira das mais de 60 fases da Lava Jato, pudemos acompanhar a atuação de Sérgio Moro e Deltan Dallaganol nos espaços públicos da sociedade brasileira. 

De modo espalhafatoso e mesmo exibicionista, quebraram grandes grupos privados e a maior estatal brasileira.  Abriram o caminho para o golpe parlamentar que derrubou Dilma, chegando a proteger Eduardo Cunha, o enrolado presidente do Congresso que comandou a operação em que tudo mudou. Condenado por "ofício indeterminado", garantiram a prisão de Lula, candidato imbatível em 2018. 

Por fim, permitiram  a eleição do presidente atual,  com mandato até 2023 e muitas dívidas para acertar com a dupla, fato que explica a transformação de Moro em ministro da Justiça e a promessa de uma toga no Supremo. 

Tudo parecia caminhar bem até que, por um acidente de percurso, desses  que vez por outra aparecem na história das sociedades humanas para lembrar que tudo que é sólido se desmancha no ar, aconteceu aquilo que jamais poderia ter acontecido para a operação seguir o percurso de sempre.   

Os registros eletrônicos que guardam os diálogos, planos e maquinações que deram rumo e poderes absolutos a este universo clandestino, capaz de transformar um país de 210 milhões de seres humanos numa sociedade de marionetes, cairam em mãos erradas. 

Vamos entender a hecatombe, com poucos paralelos na história. Nem mesmo os juizes da Corte Suprema dos Estados Unidos, que forçaram  Richard Nixon a renunciar no caso Watergate, conseguiram aquilo que Glenn Greenwald obteve e desde então, civicamente, resolveu partilhar com o conjunto dos brasileiros, auxiliado por um selecionado grupo de publicações, apoio  que só reforça a credibilidade do material publicado.  


O mais alto tribunal dos EUA queria as provas que poderiam incriminar -- ou inocentar -- o presidente dos Estados Unidos. Elas se encontravam nos registros gravados -- oficialmente -- pelo serviço de segurança da Casa Branca, montado para garantir que cada grito e cada murmúrio pronunciado no Salão Oval e outras depedências reservadas a encontros políticos fossem armazenados pela História. 

Cioso de que a memória e o que restava da honra era mais importante do que a agonia sem gloria, Nixon renunciou em troca de uma anistia a todos os crimes, fez sinal de paz e amor, subiu num helicóptero e sumiu da História para nunca mais ser visto. 

O problema de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol é que não tiveram muita escolha depois que resolveram pagar para ver. Após três meses de esfolamento público, é possível enxergar uma imensa cratera na credibilidade de ambos e que não para de crescer a cada nova revelação. Neste fim de agosto, não é possível alimentar qualquer dúvida sobre a veracidade dos diálogos. Ponto final. 

Deve começar outra discussão. A questão é o que fazer com o entulho dessa operação selvagem contra nossas instituições, esse novo entulho autoritário que ameaçou instalar no país uma ditadura secreta e nem por isso menos perigosa. 

Ou a mais alta corte do país assume suas responsabilidades, abrindo uma investigação sobre o caso e cobrando explicações dos envolvidos. Ou esta nação de 210 milhões de brasileiros e brasileiras irá se transformar uma baderna institucionalizada.

Alguma dúvida? 

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