sábado, 19 de outubro de 2019

Bispo sinodal diz que 'Igreja tem dívida histórica com a mulher'


No sínodo com maior representação feminina da história, o depoimento de quem as defende e pede que elas sejam promovidas dentro da Igreja Católica


"Se não forem dados passos agora, daqui a algumas décadas, a Igreja terá que pedir perdão às mulheres" (Remo Casilli/Reuters)
Mirticeli Medeiros*
Especial para o Dom Total

Que o papa Francisco já vetou a possibilidade de ordenar diaconisas, todos nós sabemos. Mas parece que o sínodo dos bispos para a Amazônia pensa diferente. Cresce na assembleia sinodal a proposta de conceder a elas o direito a um reconhecimento efetivo por parte da Igreja. E, na visão dos participantes, isso vai além de clericalizá-las: os padres sinodais chegam à conclusão de que a Igreja precisa dar respostas frente ao trabalho que elas prestam à instituição.
De acordo com o bispo de Félix do Araguaia (MT), dom Adriano Ciocca, já passou da hora da ala feminina da Igreja receber a valorização que merece. O religioso se emocionou ao citar o espaço dado às mulheres na sala sinodal. Algo inédito, se considerarmos o quanto elas são numerosas. Essa assembleia de bispos conta com o maior número de mulheres já registrado desde que o órgão foi criado por Paulo VI, em 1965: são 35, no total. Segundo ele, no decorrer da reunião de bispos, as colocações do grupo feminino têm emocionado os participantes.
“Eu acho que a Igreja está com uma dívida grande com as mulheres. Se não forem dados passos agora, daqui a algumas décadas, a Igreja terá que pedir perdão às mulheres por não ter dado o espaço que elas devem ter dentro da Igreja. O fato de ter essa presença, me comove muito”, exclamou Ciocca, em lágrimas.
Diaconisas
Mas, em se tratando do diaconato feminino, há sim uma abertura por parte da maioria. Quem confirmou foi um dos padres sinodais, o qual chegou, inclusive, a discursar sobre o tema durante uma congregação geral - momento no qual os participantes apresentam propostas diante do papa.
O antropólogo jesuíta Roberto Jaramillo, que atuou por 18 anos na Amazônia, considera a Igreja na região “uma instituição enraizada tradições do povo”, além de caracterizá-la como uma “Igreja pobre e para os pobres”. Ele diz os católicos das populações locais “têm muito a ensinar aos demais membros da instituição”. Sobre o papel da mulher, reconhece que é necessário ampliar esse reconhecimento.
“Na sala do sínodo, falei sobre o papel da mulher nessa realidade e sobre a necessidade dela ser reconhecida do ponto de vista eclesial. Apesar de nem todos serem de acordo, vejo uma abertura de grande parte da assembleia à reflexão sobre essa possibilidade”, afirmou.
Márcia Maria de Oliveira, professora da Universidade Federal de Roraima e especialista em Sociedade e Cultura indígenas, que é uma das peritas do sínodo, também explicou que não se trata de um desejo “de competir com os homens” na vida eclesial. “Não é uma disputa de poder para fazer sombra aos ministérios constituídos”, ressaltou.
Herança indígena
A partir da sua especialidade, ela também disse que as mulheres indígenas, também têm representadas nesse sínodo, possuem qualidades que precisam ser reconhecidas.
“Elas nos ensinam muito na dimensão do cuidado com as crianças, com as sementes, com a casa, a ecologia e a família. Elas promovem um serviço baseado na coletividade. Há uma política de distribuição dos serviços. Em várias etnias, as mulheres são lideranças políticas, religiosas e são protagonistas do cuidado com a saúde da comunidade”, enfatizou.
Andamento do sínodo
Apesar de não ter sido revelado oficialmente o conteúdo das colocações do papa em alguns momentos da assembleia, uma fonte informou à nossa reportagem que o pontífice teria pedido que houvesse uma fusão maior entre os temas, de modo que as discussões não parecessem “fragmentadas”.
Após a divulgação dos textos produzidos pelos círculos menores - grupos linguísticos ou temáticos - entra o trabalho dos peritos que averiguarão se o conteúdo produzido segue um rigor técnico (teológico, sociológico, antropológico, canônico, etc).
Na próxima semana, portanto, os participantes começarão a compor o texto final que será entregue ao papa como resultado dos trabalhos realizados durante a assembleia.
*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália e é colunista do Dom Total, onde publica às sextas-feiras.
EMGE
*O DomTotal.com

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