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A esperança da renovação do ciclo dos anos pode e deve ser vivida de modo cristológico

O Cristo, que faz novas todas as coisas, deve ser o horizonte pelo qual os cristãos e cristãs constroem o mundo (Unsplash/ Mateus Campos Felipe)
Teófilo da Silva*
Uma das realidades mais bonitas do humano é a capacidade de criar e atribuir sentido às mais diversas coisas e situações. Esse é o mundo que criamos. Realidades que, do ponto de vista puramente racionalista, podem ser descritas e explicadas de modos simples, são por nós valorizadas com significações muitas vezes complexas. A explicitação e compreensão racional das realidades não precisa estar dissociada, por nós, dos valores simbólicos que a elas atribuímos. Ao contrário, podem se inter-significar.
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Por exemplo, a passagem de um ano, que é o completar de uma volta da Terra ao redor do Sol, é celebrada em todo o planeta como algo a mais que isso: é o encerrar de um ciclo e o reinício de outro. Fazemos avaliações sobre nossa própria vida, reafirmamos sonhos, estabelecemos metas, fazemos planos. Muitas vezes, nada ou quase nada disso tudo conseguimos realizar e até mesmo chegamos a esquecer. Mas ter essa atitude diante da vida é reconhecer que ela tem jeito, que ela é possível, para além das obrigações que regem nossos dias. A disposição existencial que toma boa parte de nós nessa ocasião de encerramento e reinício é um sinal vivo de esperança.
A passagem de 2019 para 2020 é mais que a mudança de um ano. Ela também é preparação para o fim de uma década, que se dá ao fim desse novo ano. Será que somos capazes de fazer uma avaliação desta última década que vivemos, que foi também o início de um novo milênio? Tanta coisa em nosso jeito de viver mudou; e nós, como é que nos transformamos – mais que mudamos – nesse tempo? De que forma estes dez últimos anos tem nos prepararam para vivermos os próximos dez? Mais que isso: de que maneiras estamos dispondo nossa vida, para construirmos os próximos dez anos, ano por ano?
Nos tempos de distopia que temos vivido, pensar para além dos próximos 366 dias pode ser bastante interessante, bem como uma chance de resgatarmos nossa capacidade de sonhar com um mundo novo possível. Esse mundo novo possível é o nosso mundo, o que em grande parte depende de pequenos gestos e abertas disposições para nos colocarmos com posturas diferentes diante das situações. É preciso coragem para tornar a sonhar coletivamente; para viver com propósito para além de nossos próprios interesses pessoais; para assumir a consciência da responsabilidade de que o mundo que criamos só é verdadeiramente possível, se vivermos harmoniosamente com o mundo que nos abriga.
As religiões podem contribuir bastantemente nesse sentido. Faz parte de seu sentido próprio contribuir no favorecimento para que seus fiéis e adeptos façam experiências de sentido. As religiões cristãs, sobretudo, precisam retomar o caminho do propósito de vida e não apenas buscar dar respostas imediatas às expectativas dos fiéis, que acabam por serem tratados como clientes. São tempos nos quais as religiões precisam e devem – sobretudo as de caráter proselitista – zelar pela qualidade de seus serviços, para a fidelidade de sua existência, e não com a quantidade de adeptos que compõem suas fileiras.
Centrando o olhar para o Cristo, e para aquilo que a experiência de fé dos primeiros cristãos discerniu e tematizou, a esperança para o encerramento deste início e preparação para o início do próximo, pode e deve ser vivida de modo cristológico: batizados na morte e ressurreição de Jesus, participamos do mistério de sua existência; e essa participação deve nutrir em nós uma postura aberta diante da vida, na expectativa e na esperança operosa do surgimento do novo céu e da nova terra. Ele, o Cristo, que faz novas todas as coisas, tal como nos inspira o Apocalipse, deve ser o horizonte pelo qual os cristãos e cristãs constroem o mundo, cheio de possibilidades de vida e de sentido para todos e todas. Com Ele, façamos novas todas as coisas, a começar dentro de nós mesmos!
*Teófilo da Silva é teólogo e poeta
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