segunda-feira, 6 de julho de 2020

Verdes vales do fim do Bivar

Vítima do novo coronavírus, morre aos 81 anos o escritor Antonio Bivar
Antonio Bivar é autor de 'Verdes vales do fim do mundo'
Antonio Bivar é autor de 'Verdes vales do fim do mundo' (Tika Tiritilli / Divulgação)
Ricardo Soares*

No momento em que parecem distantes os verdes vales do fim do mundo, de onde você tenta tirar um alento ao ver o pôr de sol de um domingo, fica sabendo pelas redes sociais – que nos trazem mais más do que boas notícias – que um dramaturgo, escritor, jornalista antenado e mentor de muita gente foi-se embora. O nome dele é Antonio Bivar, que muita gente escreveu com o circunflexo no ô de Antonio, mas que nem isso lhe emprestou uma sisudez que não era dele.

Não vou fingir intimidade com o autor que enquanto conviveu comigo foi só camaradagem. Tínhamos uma pilha de amigos em comum e lembro de tê-lo visto a primeira vez em 1982 na galeria do rock, em São Paulo, onde ciceroneava e apresentava para a mídia o incipiente movimento punk brasileiro, do qual ele era entusiasta. Escrevi uma reportagem sobre esse encontro para a revista "Manchete" e as fotos foram feitas ali mesmo e num festival punk que acontecia por aqueles dias também no Sesc Fábrica Pompéia.

Os tais Verdes vales do fim do mundo é justamente o feliz título de um dos livros de Bivar, lançado pela antológica coleção olho da rua da L&PM, de Porto Alegre, que também já havia lançado parte da literatura beat no Brasil, da qual o Bivar também era entusiasta. O livro aqui citado é, grosso modo, um testemunho contundente sobre o que Londres representou para a rapaziada do começo dos anos 70. Isso mesmo, aquela época onde, apesar da ditadura dos milicos, o sonho ainda não tinha acabado e havia a esperança da fraternidade, algo assim como um franciscanismo hippie que infelizmente não vicejou nas décadas seguintes.

Bivar foi pro exílio, voltou dele e seguiu sempre nos brindando com novidades. Era o caboclo para o qual o clichê "um homem à frente do seu tempo" cabia como uma luva. Editou revistas; foi autor de várias peças teatrais, como Cordélia Brasil e Alzira Power; escreveu o "classiquinho" O que é punk, da lendária coleção Primeiros passos, da editora Brasiliense, que é o único livro dele que tenho autografado.

Todas as vezes que estive com Bivar rimos muito. Achávamos graça de tantas besteiras, que não teve a menor graça o fim dele desse jeito. Colhido pela Covid, essa peste sem o menor senso de humor. E no estupor de um fim de domingo, olhando um sol que já se põe e Bivar não vê mais, eu pergunto, é inevitável: os verdes vales do fim do mundo estão agora a receber com aplausos o talentoso Bivar?

*Ricardo Soares é escritor, diretor de tv, roteirista e jornalista. Publicou 9 livros. O mais recente 'Devo a eles um romance' está em pré-venda no site da editorapenalux.com.br

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